Não se consegue Vencer o Sistema – As lutas com o poder – e as críticas

Ayrton Senna F1

Existia na carreira de Senna uma coisa quase tão obstinada quanto a luta que manteve com Alain Prost – e ele dedicou muito do seu tempo a isso. Foi a luta contra o poder estabelecido, contra as autoridades do esporte, contra aquilo que ele sentia como injustiça, como a má política da Fórmula 1.

As grandes diferenças começaram no outono de 1989. Senna ficou muito atento desde o episódio de Suzuka, onde a operação conjunta de Prost e do presidente da FIA e da FISA, Jean-Marie Balestre, o havia atingido. Balestre não dissera algumas vezes, com maior ou menor clareza, que suspeitava, ou que tinha provas, de que a Honda prejudicava Prost? E não dissera também, após o GP de Portugal em 1989 – quando Senna foi tirado da prova por Nigel MANSELL, que já levara a bandeira preta – que nem Senna nem Mansell tinham o nível de Prost?

Pelo menos depois da sua – a seu ver absolutamente injusta – desclassificação em Suzuka, ele se convenceu de que deveria travar uma luta em duas frentes: não só na pista, contra Prost, mas também contra as autoridades.

Isso tudo só ficou reforçado na avaliação, feita em Paris, contra a decisão em Suzuka. A situação já foi grotesca por si mesma. A desclassificação foi determinada por comissários esportivos da FISA, isto é, por representantes das autoridades esportivas. A instância maior, que decide sobre a questão, é a FIA, a Federação Internacional de Automobilismo. O presidente das duas instituições era Jean-Marie Balestre.

O que se passou em Paris escandalizaria o mais neutro dos observadores. De repente, não se tratava mais dos assuntos de Suzuka, e sim de outras coisas, como se repreendessem Senna. Um registro de sete pontos em faltas: do confronto com Prost no Estoril em 88, na largada no Grande Prêmio Brasil 89, com Berger e Patrese – caso em que cada um dos pilotos tinha 33% de culpa – até chegar a Portugal 89, e questão com Mansell, já desclassificado…. uma grande quantidade de incidentes que, no mínimo, não tinham ligação entre si… era de se lamentar, por exemplo, uma cena do GP da França, em que Senna, na largada, teve quebrado o eixo de transmissão e tentou, tão rápido quanto pôde, levar o carro para a lateral da pista, para não ser atropelado por trás, pois isso estava descrito como pilotar de forma perigosa.

Mas, independente do conteúdo das reprovações, os juristas concordavam  quanto ao fato de que o procedimento não era justificável. Marcou-se um debate sobre a questão. Foi como se alguém estivesse diante de um tribunal por furto em uma loja e de repente fosse condenado por homicídio, disse Ron Dennis, numa descrição eufemística do que ocorrera em Paris. A sentença foi brutal. Não só foi mantida a desclassificação em Suzuka, como também se concedeu o campeonato Prost. Poucos dias antes do GP da Austrália, Senna recebeu mais uma multa de cem mil dólares e a proibição de correr durante seis meses, por pilotar perigosamente de forma contumaz.

Ele foi nocauteado – mas quis luta. Em Adelaide ele procurou a imprensa, na tarde de quinta-feira, e abriu a alma. Falou durante quase uma hora e meia, sendo interrompido para poucas perguntas, com lágrimas nos olhos, e pedindo apoio na sua luta pelo direito. É o que me move. O direito e a honestidade são valores importantes na minha vida.

Ele havia pensado em abandonar tudo e não voltar mais a Austrália.

Ou sair da Fórmula 1. Pela minha cabeça passaram muitos pensamentos, mas antes de tudo sou um profissional e tenho certa responsabilidade perante minha equipe e meus patrocinadores. Em segundo lugar, sou um ser humano para quem seus valores são preciosos. Tão preciosos que eu não me deixaria perturbar pelos outros. E ir contra os meus objetivos não é meu estilo. Vou lutar pelos meus valores e pelos meus direitos.

E pedia ajuda dos meios de comunicação: Vocês não podem ficar indiferentes a essas coisas.

O que o machucava era o fato de que se achava no seu direito, e acreditava que todos os seres humanos racionais e lógicos deveriam ver dessa maneira; mas tinha a impressão de que a maioria estava do lado de Prost. Eu não causei o acidente de Suzuka, repetiu ele, e vocês não precisam acreditar em mim. Vejam o vídeo. Ele se referia a tomada feita do helicóptero, que Ron Dennis também havia exibindo, e que demonstrava como Prost tinha entrado na chicana. Não tive a menor responsabilidade por esse acidente, tanto como pelos outros incidentes que querem atribuir a mim.

Mas estou sendo tratado como um criminoso, como se colocasse em risco outras pessoas…. Enxugando mais uma vez as lágrimas, disse: É claro que também cometi muitos erros . Não fui tão aberto nem tão acessível como deveria no trato com a imprensa, com a mídia, talvez muitas vezes não tenha deixado clara a minha posição. Mas em diversas vezes não pude. As circunstâncias não permitiam. Muitas vezes, também, não era nada disso. Ele buscava um novo começo: Vamos começar do início, vamos nos relacionar melhor.

Vou me esforçar para melhorar essa relação no futuro. Ele foi aberto e honesto e humano como poucos. Expôs sua vulnerabilidade e suas feridas – e conseguiu sensibilizar até algumas pessoas que não gostavam muito dele. Mas também mostrou toda a sua raiva, fez duras críticas a Jean-Marie Balestre, disse abertamente o que pensava: Tudo que aconteceu, aconteceu para que Prost ganhasse o título. O campeonato de Fórmula 1 de 1989 foi manipulado.

Uma declaração que teve consequências. A luta estendeu-se por todo o inverno 1989/90. Balestre espumou de raiva, exigiu de Senna uma retratação pública, do contrário não recebe a superlicença para 1990. A McLaren quis tentar alguma coisa contra a FISA e a FIA, mas cedeu sob a pressão dos patrocinadores. Criou-se então o debate da questão de levar ou não o caso a justiça comum – o que colocaria em xeque a questão da competência.

Em dezembro, quando da reunião do alto comando da FIA em Paris, houve uma conversa entre Senna e Balestre. Mas as frentes estavam prontas para a guerra, as emoções aquecidas. Ayrton não pensou em retirar suas acusações de manipulação para se desculpar. Balestre, conhecido pelo comportamento ditatorial, senhorial e incontido, não cedeu em nada, nem sequer na muita de cem mil dólares. Os dois acabaram gritando, e nada resultou da conversação.

Senna voltou para o sol do Brasil. Ele iria, queria ou poderia pilotar em 1990? O circo foi até a metade de fevereiro. A primeira lista de pilotos da FISA, para a temporada de 1990, não teve o seu nome. Não foi admitido: não houve superlicença, não houve desculpas…. Enquanto isso, a multa de cem mil dólares foi paga em silêncio – pela McLaren. O patrocinador principal tinha ajudado…. Uma hora mais tarde, apareceu uma nova lista, dessa vez com o nome de Senna. E um fax, enviado por Senna de São Paulo, em que ele explicava que não pretendera dizer que o campeonato de 1989 tinha sido manipulado, e que se desculpava por qualquer mal-entendido.

Teria se acovardado no último momento? Assim parecia. Mas um ano e meio depois, numa coletiva em Suzuka 1991 – depois de ganhar o seu terceiro título mundial, uma vitória rápida, que ele, na última volta dedicou a Berger, acertando as contas com tudo e com todos – disse claramente o que só havia admitido até então no seu círculo íntimo: que as coisas, mais uma vez, tinham ocorrida de maneira desonesta. Eu realmente mandei um fax, mas não com o texto que foi divulgado – esse não é meu…. o que só permitiu concluir que ele tinha sido manipulado de novo.

No início de 1990 não tinha, de qualquer forma, muita disposição para trabalhar na Fórmula 1. Só continuo devido a responsabilidade com a equipe. É tanta gente e também tantos empregos dependendo da minha decisão que tenho de parar e pensar….. Mas eu me sinto vazio…. não tenho nenhum tipo de atração pelo carro ou por qualquer coisa que digo respeito, disse ele em Phoenix, no início da temporada. Ele ganhou logo, mas isso não mudou as coisas.

Já no Brasil, ganhando todo o amor e respeito dos fãs, ele melhorou: Isso ajudou a recuperar parte da minha motivação. Mas ainda sofria, principalmente porque, mais uma vez, não podia dizer toda a verdade, sob a pena de perder a licença, disse ele em Suzuka, em 1991. Foi principalmente na liberação de emoções represadas, há muito tempo enfiadas na sua amargura e frustração, que saiu um monte de palavrões – coisa que, por sinal, não fazia parte do seu estilo. Ele precisava botar pra fora, agora preciso, finalmente, colocar as cartas na mesa, agressivamente, sem me importar com as perdas. Só exigia uma: ter que ganhar deles na pista!

Em 9 de dezembro, a FIA discutiu o caso em Paris. Ayrton estava seguro da sua absolvição, mas, em alguns minutos, comecei a perceber que as coisas tomavam outro rumo…. No final, determinou-se uma suspensão de duas corridas, com seis meses sob observação. O rosto de Senna refletia a sua raiva quando saiu do tribunal com o seu empresário e o jurista Julian Jakobi. Mas não fez comentários – o que foi o melhor e que Jakobi tinha lhe pedido encarecidamente. Tomamos o elevador, e fiquei o tempo todo mostrar-lhe que as suas reações rápidas, espontâneas e emocionais o feriam.

Ele virou e falou para Jakobi, vou vencê-los na pista!!

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *