A Toleman era uma pequena equipe com grandes ideias. Fundada por um rico empresário, Ted Toleman, competiu a Fórmula 2 em 1978 e entrou na F-1 em 1981, com dois pilotos britânicos, Derek Warwick e Brian Henton.
Eles participaram de doze corridas, mas se qualificaram apenas duas: Henton acabou em décimo em Monza, e a caixa de câmbio de Warwick quebrou em Las Vegas.
Em 1982, o italiano Teo Fabi substituiu Henton e, ao longo da temporada, a equipe terminou apenas três corridas: Fabi ficou tão atrás do vencedor em Ímola que nem sequer foi classificado, e Warwick chegou em décimo quinto na França e em décimo na Alemanha.
E, 1983, Fabi foi substituído por outro italiano, Bruno Giacomelli, e, a partir de então, eles começaram a completar as corridas. Acabaram a temporada com brilho: Warwick em quarto na Holanda e em quinto em Monza, onde Giacomelli ficou em sétimo; Warwick em quinto e Giacomelli em sexto no Grande Prêmio da Europa; Warwick em quarto na África do Sul.
Então, Warwick foi para a Renault e a Toleman não queria mais Giacomelli, e Senna e um ex-campeão mundial de motociclismo, Johnny Cecotto, foram para a equipe. Havia dois aspectos na ida de Senna. O primeiro era que a Toleman tinha sido a única oferta segura que recebera, apesar dos testes e apesar de ter ido ao escritório de Peter Warr, chefe da equipe Lotus. O segundo motivo era que, tendo como base o progresso difícil de 1981 até a vitória no final de 1983, a Toleman tinha aquela mercadoria preciosa: ímpeto.
A equipe também tinha um pessoal que sabia o que estava fazendo, comandado por Hawkridge. Rory Byrne ( mais tarde, da vitoriosa Ferrari ) projetava os carros. Brian Hart fabricava os motores. Peter Gethin, gerente de equipe, tinha sido um grande piloto de F-1. Pat Symonds ( mais tarde, estrategista da vitoriosa equipe Renault ) cuidava de tecnologias avançadas.
Hawkridge nunca se esquecerá das negociações com Senna. Não creio que Ayrton tivesse qualquer escolha. Éramos a sua última opção, mas o problema para ele: tenho de ter certeza absoluta de que é melhor eu assinar com essa equipe que me aposentar do automobilismo. Ele disse em uma conversa antes de assinarmos o contrato: se o carro não for bom o bastante e se vocês me impedirem de ir para outra equipe, vou parar de correr. Vocês não podem me obrigar a pilotar um carro de corrida. Ou vocês colocam uma cláusula no contrato que me permita aproveitar outra chance, se ela surgir, ou vocês não me deixam nenhuma opção além de abandonar as pistas, se eu não achar que o seu carro é competitivo. Ficarei com vocês se for possível e lhes darei cem por cento todas as vezes em que entrar no carro. O que você pode falar de um cara que lhe diz isso? Você não pode dizer: isso é injusto, Ayrton: Você não pode dizer: não é assim que fazemos as coisas na F-1. Você não pode fazer um cara dar cem por cento – mas ele deu, todas as vezes. Ele nos deu tudo o que tinha.
Hawkridge ainda não tem certeza se Senna teria parado de correr. A negociação foi feita sob a perspectiva de um único lado. Ele conseguiu o que queria. E não era dinheiro; dinheiro não era problema, eram as condições do contrato e, em particular, os termos de rescisão do contrato – a única área em que eu discordava dele. Estou falando sobre os termos do contrato conforme nós o entendíamos. Mas posso entender o problema como um todo, porque você está tratando com um brasileiro que está trabalhando com uma língua estrangeira, com documento jurídico que está aos cuidados de advogados do outro lado da linha telefônica. Era essa a situação.
Estávamos sentados no escritório com uma linha telefônica aberta para os advogados dele no Brasil.
A cláusula de rescisão representava uma rota de fuga para Senna, se a Toleman perdesse o ímpeto – com a condição de que ele teria de avisar a Toleman antes de assinar com outra equipe e pagar-lhe certa quantia em dinheiro.
Senna descreveu a Toleman como a melhor oferta, explicando que a Toleman estava crescendo, era uma equipe nova. Eles realmente acreditavam que eu podia aprender com eles. Estavam preparados para assumir muitos compromissos comigo, de forma que senti que essa era a coisa certa a fazer.
E, de fato, ele manteve sua palavra. Pat Symomds, o especialista em tecnologia da equipe, logo descobriu a habilidade de Senna de prever o tempo das voltas e sentiu-se compelido a dizer que Senna era um cara muito estranho. Ele sai para fazer um teste, volta e nos diz que tempo conseguirá fazer com o carro. Você o manda sair, e ele volta com o tempo que dissera que iria fazer.
Não há duvida de que Senna podia visualizar mentalmente o circuito inteiro e ver a si próprio dando uma volta imaginária, metro a metro, curva a curva. Também não há dúvida de que, nos treinos, ele era capaz de saber exatamente onde poderia ganhar frações de segundos e simplesmente incorporá-las a essa volta imaginária. Isso vinha da sua capacidade de pilotar rapidamente, ao mesmo tempo que pensava devagar, e de se lembrar de tudo o que estava acontecendo no carro. Assim, quando Senna previa o tempo que faria, estava se baseando em cálculos simples e lógicos.
Simples? Bom, a maioria das pessoas – mesmo as que têm experiência no automobilismo – nunca tinha visto nada assim antes, e isso as chocou, a começar pelo mecânico de Senna na Van Diemen em 1981, depois Dennis Rushen e Robin Green, em seguida Dick Bennetts, e agora Pat Symonds. Outros viriam, igualmente famoso, e também se chocariam.
A primeira corrida de Senna pela Toleman foi Grande Prêmio do Brasil, no Rio de Janeiro. Em seguida, na primeira sessão classificatória da África do Sul, onde terminou a corrida em décimo quarto, por causa de uma falha no turbo, após a oitava volta, ele previu, sem dúvida, depois de fazer os cálculos simples e lógicos, que seria sete décimos de segundo mais rápido no dia seguinte. Adivinhe se ele o fez? Sim.
No começo da corrida, parte do bico do Toleman se desprendeu. Em vez de ir ao box e perder tempo, Senna enfrentou a dificuldade até o final e terminou em sexto, o primeiro ponto que marcou na F-1. Ainda haveria mais 613.
O esforço, executado no calor e na altitude, exigiu dele um alto preço físico. Senna ficou completamente exausto, e Gethin jogou um pouco de água nele. Gethin e Hart perceberam então, nas palavras de Hart, o quanto Senna era magro. Ele precisou ser atendido pelo médico.
Mais tarde, Hart explicou que, para responder as exigências físicas de um carro de F-1 durante uma corrida inteira, você tem que estar em ótima forma. Senna ouviu mais não aceitou abertamente. Você não veria uma reação assim em Ayrton, mas percebia que ele prestava atenção ouvindo, registrando, e que não iria esquecer. Assim, da próxima vez que voltou ao Brasil, começou a se preparar – mas você não podia dizer-lhe que direção seguir. Ele tinha de decidir por si mesmo o que era melhor para ele.
Em Zolder, ele ficou em sexto lugar no Grande Prêmio da Bélgica ( na verdade, em sétimo, elevado a sexto quando outro carro foi excluído ) mas naquele momento a Toleman estava em disputa com seu fabricante de pneus, a Pirelli, e não tinha pneus para a prova classificatória de sexta-feira, em Ímola, para o Grande Prêmio de San Marino.
Senna teve um problema no sistema de combustível na segunda prova classificatória e não se classificou para a corrida. Nos dez anos seguintes, ele participou de mais de 158 grandes prêmios, e isso nunca mais aconteceu.
Fiquei aborrecido por não termos tido a oportunidade de correr em Ímola, disse ele. Mas não fiquei aborrecido porque mudamos de fabricante de pneus.
Depois de Ímola, ele participou de uma corrida de celebridades em Nurburgring, a célebre pista alemã que tinha acabado de ser reformada aos modernos padrões de segurança. A corrida fazia parte da Copa Mercedes-Benz, promovida para marcar a abertura da pista reformada. Perguntaram a Alain Prost, então piloto já estabelecido na F-1 e lutando para se tornar o primeiro francês a ganhar o campeonato mundial, se ele podia dar uma carona a Senna do aeroporto de Frankfurt até o circuito. No caminho conversamos, e ele foi muito agradável. E, então, chegamos a pista e fomos treinar. Fiz a pole, com Ayrton em segundo – depois disso, ele nunca mais falou comigo.
Senna, porém, venceu a corrida, o que não prejudicou a sua reputação.
Um problema no turbo p fez parar depois de trinta e cinco voltas no Grande Prêmio da França e, duas semanas depois, Senna foi para Mônaco. É importante dizer que Mônaco é a corrida central de toda a temporada de F-1, porque ambos ( o principado e o circuito da F-1 ) se completam: os dois envolvem muito dinheiro, são bastante radicais e, no sentido genuíno da palavra, glamorosos. Há, de fato, barcos que valem vários milhões de dólares na enseada de Mônaco, com mulheres fazendo topless. É um dos poucos lugares onde, se estacionar a sua Ferrari, você o fará ao lado de muitas outras.
Em termos puramente de pilotagem, colocar carros de F-1 – com suas incríveis potência e velocidade – em ruas estreitas, com subidas, descidas e curvas fechadas, é verdadeiramente radical. O limite normal de velocidade é de 50km/h, mas Prost conseguiu a pole no ano anterior a 140km/h – 10km/h a mais do que o limite de qualquer rodovia francesa.
Esse é um aspecto. O outro é que as estreitas ruas de Mônaco são protegidas por guard rails Armco, que podem transformar um carro de corridas em sucata. O piloto deve se aproximar o máximo possível, até mesmo raspar neles, em busca do melhor traçado para conseguir fazer a volta mais rápida – sem, de fato, bater neles.
Sobreviver em Mônaco é um forma de arte; não se deve se preocupar em fazer bonito lá.
Agora, imagine quando a pista está molhada, e a aderência é reduzida e você não consegue ver onde está indo, porque os enormes pneus do carro da frente estão erguendo um verdadeiro tsunami.
Então, imagine que nunca esteve lá.
Senna largou na sétima fila e, então, começou a chover, forte o bastante para alagar a pista. A equipe McLaren tinha preferência nos pneus Michelin, e a Toleman, como equipe pequena e nova cliente da Michelin, deveria utilizar pneus com um ano de uso. Hawkridge conta com certo alívio que, é claro, a Michelin não tinha pneus de chuva de um ano de idade e teve de fornecer a Toleman os mesmos pneus que tinha dado a McLaren.
Três carros não completaram a primeira volta, e, em um prelúdio do que estaria por vir, Senna viu a Lotus de Elio de Angelis oscilando.
Ele ultrapassou rapidamente e conquistou o nono lugar. Na frente, Prost liderava, seguido do britânico Nigel Mansell. Senna duelou com um francês afável, Jacques Laffite, na terceira volta e estava, então, perseguindo as posições dos sete carros a sua frente.
Como Senna conseguia controlar seu raciocínio, mesmo com aquela chuva perigosa e as ruas íngremes e estreitas, ele foi capaz de usar o botão de controle do turbo e descobriu que quanto mais o desativava, melhor conseguia dominar o carro. Aumentos repentinos de potência era do que ele menos precisava. No final, conforme contou a um amigo depois da corrida, ele estava correndo sem pressão do turbo.
Na nona volta, Senna estava em sexto e marcava pontos, cortesia de um piloto que rodou na pista. Na décima segunda volta, ele ultrapassou Keke Rosberg, campeão mundial de 1982 pela Williams, e, na décima quarta, passou o mal-humorado francês René Arnoux, cuja Ferrari tinha um pequeno problema de ignição. Mansell, que havia ultrapassado Prost, bateu, deixando o francês em primeiro, seguido de Lauda e de Senna em terceiro.
Essa ordem continuou por mais três voltas. Na décima oitava, surgindo do torniquete de uma curva chamada Rascasse e entrando na reta final, Senna estava sobre Lauda. Na reta, virou rapidamente o Toleman para a esquerda e passou sob uma parede de água – completamente as cegas – de forma que, quando chegaram a curva fechada no final da reta, Senna estava com vantagem sobre Lauda, que, sendo um veterano prudente, escolheu não enfrentá-lo.
Tive de deixar Senna passar.
Prost estava mais de meio minuto a frente, mas não gostava de pilotar na chuva, ainda mais em uma tempestade como aquela. No espaço de onze voltas, Senna diminuiu a diferença para 7,4 segundos, antes de a corrida ser interrompida – uma decisão controversa, uma vez que o tempo não piorara. ( Na verdade, Senna virtualmente superou Prost e achou que venceria, mas, de acordo com as regras da F-1, sempre que uma corrida é interrompida, registram-se as posições do final da volta anterior. )
Alguns relatos sugerem que Senna ficou furioso, e ele mesmo admite ter ficado muito, muito bravo. Hawkridge explica isso diferente: lá estava a pequena Toleman, lá estava um piloto brasileiro novato, e como eles podiam derrotar a instituição automobilística e vencer em Mônaco?
John Connor, relações-públicas da Marca Marlboro, deu de cara com Ayrton Senna no café da manhã do dia seguinte. Ele se sentou ao meu lado e começou a me dizer o que achava de tudo aquilo. Ele até mesmo chorou. Eu respondi: você ficou em segundo, o que é ótimo. Você é jovem, tem tudo pela frente.
O impacto das palavras de Connor pode ter sido profundo, pois Senna afirmou que , depois de refletir por um tempo, achei que foi um resultado fantástico, por causa do jeito que a coisa aconteceu. Provavelmente, consegui mais publicidade do que teria obtido se tivesse vencido.
Aquele foi o quinto grande prêmio de Senna e a terceira vez em que marcava pontos. No contexto geral, tinha marcado apenas um ponto a menos do que Warwick conseguira em três temporadas inteiras (embora, é claro, o Toleman de Senna fosse muito melhor do que o que qualquer Toleman que Warwick tivera ) Continuaremos