Tenho certeza de que todo piloto de automobilismo no início de carreira se julga o maior de todos os tempos e imagina que, se tivesse o carro certo, poderia fazer todos os outros comerem pó. Não cheguei a ser uma exceção.
No início de 1983 o meu mundo chegou a tremer. Encontrei Ayrton Senna pela primeira vez no campeonato europeu de Fórmula 3 em Silverstone. Chovia, mas sempre fui muito veloz debaixo de chuva. Já tinha ouvido falar de Senna: o campeonato absoluto, o melhor, o eliminador de obstáculos que vinha do Brasil. Eu passara por todos os limitas de risco: mais rápido impossível.
E Senna ficou na minha frente nos treinos por quatro segundos. Foi quando notei que era possível ser mais rápido. Mas, de qualquer forma, já desde o princípio tive um certo respeito pelo cara.
A primeira vista me pareceu simpático, e eu também a ele, evidentemente. Isso não impediu que na largada de um GP do Brasil corrêssemos como adversários. Assim ficaram as coisas bem claras: ele também não era daqueles que sempre cediam. Talvez muita gente não tenha entendido como a nossa amizade inicial resistiu aos três anos juntos na McLaren, e tenha até mesmo crescido. Na Fórmula 1 o seu colega de equipe devia ser o seu maior inimigo – era a norma: aquele a quem você tinha de destruir era aquele que você tinha de odiar. Eu porém não misturei as coisas. Cheguei a conhecer Ayrton como poucas pessoas o conheceram, a percebê-lo, a indagar dos seus segredos, a aprender muito com ele, até me tornar o seu único amigo na Fórmula 1, como ele foi o meu.
Em matéria de velocidade, reflexos, olho e coragem ele não me vencia, segundo o computador da McLaren.
Desde o primeiro treino que fizemos juntos passamos novos limites. Ele foi pole uma vez, eu saí, e depois fui eu o pole. Quando eu parava no boxe, olhava sempre pra ele, que me olhava de revirar os olhos, como a dizer: que é isso, maluco, agora é a minha vez!
Após um treino, ele veio com uma folha impressa de computador na mão e mostrou-me uma linha reta que significava que eu tinha feito uma curva com todo o gás. Disse para mim: Você é louco, se você voar para fora, acabou!
Totalmente sem medo ele não era. Era o piloto mais perfeito e mais concentrado que já existiu. Um conjunto de percepção, concentração, força e velocidade aliado a um talento para dirigir verdadeiramente abençoado e a capacidade de não cometer erros nos instantes decisivos. Tinha a visão absoluta do todo, sabia tudo e podia tudo. Ele estava simplesmente dois ou três degraus acima de nós todos. Alguém que não tivesse trabalhado com ele ou que não o tivesse conhecido tão bem não acreditaria. Seguramente há ainda muitos na Fórmula 1 que acham que poderiam ter derrotado Senna. Tudo que posso dizer disto é: que pena, eles não têm ideia da distância a que estavam de Senna. Tive a felicidade de conhecê-lo suficientemente bem para fazer essa avaliação.
Devido a sua própria natureza, Senna era um garoto extremamente dedicado e ambicioso. Foi isso aliado a sua extrema capacidade que o transformou num ser inacessível para tantos. Ele era algo de sobre natural – não há outra forma de expressar isso. Com o passar do tempo, porém, foi se soltando um pouco. Desenvolveu-se uma camaradagem entre nós que lhe fazia bem, e que era algo totalmente novo para ele. Erámos muito amigos e passávamos vários trotes um para o outro; quando, por exemplo, ele achou uma dúzia de sapos em seu quarto de hotel – Ayrton queria me matar.
Josef Leberer, uma das pessoas mais importantes na vida de Ayrton, contou-me uma história sobre a largada de Ímola. O alto-falante anunciou as posições de largada, e Senna foi muito aplaudido, Em seguida foi anunciado o nome de Berger, que recebeu mais aplausos, evidentemente devido a Ferrari. O aplauso em especial que recebi alegrou Senna, que, segundo Josef, sorriu de orelha a orelha. Assim, esse sorriso, talvez sua última expressão de satisfação antes do acidente, guardarei na minha lembrança sobre Ayrton Senna.
Com Ele aprendi muito sobre o nosso esporte. E comigo ele aprendeu a rir.
Gerhard Berger