Após a prova, Senna protagonizou uma tentativa de reconciliação com Ron Dennis e uma discussão pesada com o piloto Eddie Irvine, da Jordan.
Para Ayrton Senna, as atividades do Grande Prêmio do Japão não terminaram com a bandeira quadriculada. Algumas emoções ainda estariam reservadas para depois da corrida – em que o vencedor da prova ora exercitou seu lado conciliador e ora seu lado furioso.
Com o triunfo no Japão, Senna havia chegado a uma marca pessoal histórica: 40 vitórias na Fórmula , atrás apenas das 51 de Alain Prost. (O terceiro colocado era Nigel Mansell, que tinha 30, três a mais que Jackie Stewart, 27.) Além disso, o resultado representou também uma façanha para a McLaren, que chegou á 103* vitória em Grandes Prêmios e empatou com a Ferrari como a equipe que mais havia vencido provas na Fórmula 1.
Apesar do sucesso dos seis anos de parceria entre o piloto brasileiro e a escuderia inglesa, a relação entre Senna e Ron Dennis, já oscilante durante toda a temporada de 1993, havia estremecido demais nas semanas anteriores ao GP. Ayrton havia revelado publicamente que a McLaren lhe devia dinheiro – Shell e Marlboro estavam em dia com sua parte dos salários, mas o pagamento que cabia á equipe estava atrasado.
O chefão Ron Dennis, por sua vez, não havia assimilado bem o acordo entre Senna e a Williams, e fez declarações a jornalistas ingleses criticando um suposto egoísmo do brasileiro.
Mas quando Senna subiu ao pódio em Suzuka, Ron Dennis não resistiu e se aproximou para um abraço emocionado e uma rápida troca de palavras. Sobre o conteúdo, Ayrton foi direto. Ele não me falou nada, declarou. Fui eu quem falou para ele que estou disposto a terminar nossa relação profissional da melhor maneira possível. Existem alguns problemas que precisam ser resolvidos. Tenho amigos na McLaren e não quero sair da equipe fechando a porta. Quero terminar bem com a equipe.
PUNHOS SERRADOS
Mas se Ayrton foi magnânimo com Dennis, não conseguiu sê-lo com o novato Eddie Irvine, da Jordan, um dos retardatários que foram sua maior fonte de preocupação na segunda parte da prova. Tive vários momentos perigosos com os retardatários, uma total falta de profissionalismo. Se você é o líder da corrida e um retardatário dificulta sua ultrapassagem ao máximo, algumas medidas precisam ser tomadas contra isso, declarou Senna na entrevista oficial pós-corrida, sem citar nomes.
Aos jornalistas brasileiros, foi mais claro. Os retardatários foram uma piada. O Irvine me passou na chicane, quando eu era o líder, e ainda tentou bater rodas comigo. O cara é um perfeito idiota. Um lunático que não sabe o que é guiar profissionalmente, disparou.
O desabafo verbal, porém, não foi suficiente. Já de roupa trocada, partiu para o espaço reservado á equipe Jordan, a fim de tirar satisfações com o irlandês Irvine, que, aos 27 anos, fazia sua primeira corrida na Fórmula 1. Por que você me passou naquela chicane?, questionou Senna. Passei porque você estava muito lento, respondeu o novato. Então como você me explica que eu estava colocando uma volta?, retrucou o tricampeão.
Sem nada a perder, Irvine respondia sempre com ironia e cinismo aos argumentos de Ayrton, tirando cada vez mais o brasileiro do sério. A discussão foi ficando mais acalorada, e o tricampeão, em determinado momento, resolveu se retirar. Só que, segundos depois, mudou de ideia – e partiu para cima de Irvine, derrubando o irlandês da mesa onde estava apoiado. Algumas testemunhas da cena afirmaram que se tratou de um forte empurrão, enquanto outras identificaram um ou dois socos no ataque. Fato é que a turma do deixa disso entrou em cena e retirou Ayrton do recinto.
Presente no momento da discussão, Rubens Barrichello, companheiro de equipe de Irvine na Jordan – e que chegou em quinto lugar, uma posição á frente do rápido irlandês, preferiu não emitir nenhuma opinião sobre o ocorrido. Não sou comentarista de boxe.
MEA CULPA
Em entrevista antes da prova seguinte, o GP da Austrália, Senna reconheceu que havia errado ao agredir Irvine e explicou a situação, afirmando que chegou a ser colocado para fora da pista por ele. Quando o líder chega, seja quem for que estiver no caminho, até mesmo um campeão do mundo, tem que abrir passagem. É um código de conduta que temos entre nós, e sempre foi assim. É assim desde que eu comecei a pilotar, mas esses caras não entendem isso. Eles não venceram nenhuma corrida, mas não entendem isso. E eles acham que estão certos, declarou, sem fugir de sua responsabilidade.
Nada justifica agredi-lo. Nada. Nada justifica, e eu não estou me justificando. Estou dizendo que o que aconteceu foi absurdo, em tantas formas, e isso não foi discutido.
Aceleraaa com a gente, Balaclava F1.