Senna defendeu a vantagem com unhas e dentes e conquistou o bicampeonato logo na primeira curva; depois, mandou recado á torcida e aos cartolas.
Era destino. Depois de 14 corridas, 917 voltas disputadas e exatos 4.161 km percorridos, o Campeonato Mundial de Fórmula 1 de 1990 voltaria a ser decidido no mesmíssimo lugar: o grid de largada do Circuito Internacional de Suzuka. Assim como em 1988 e 1989, Ayrton Senna e Alain Prost desembarcaram no Japão para mais um capítulo marcante da epopeia que envolvia os arquirrivais.
O placar do confronto direto estava empatado, com Senna campeão em 1988 e Prost em 1989, mas o brasileiro retornava ao Oriente em vantagem na temporada de 1990. Bastava a ele ganhar a corrida ou chegar á frente do francês para faturar o bi. Se ambos não pontuassem, Senna também seria o campeão de forma antecipada.
Assim como na definição do título de 1989, a briga foi travada não apenas na pista, mas também nos bastidores. Vacinado após a vergonhosa decisão que entregou o campeonato de bandeja a Prost no ano anterior, Senna faria de tudo para não ser prejudicado naquela prova. E, repetindo o que já havia feito em outros GPs, como os de Portugal, Hungria e Canadá, o líder do campeonato pediu á direção de prova que o grid de largada fosse invertido, reservando ao pole position o direito de ocupar o lado mais limpo da pista.
O pedido foi feito logo em sua chegada a Suzuka – ou seja, bem antes de Senna saber em qual posição largaria. De acordo com ele, era uma questão de justiça e até de segurança. Nada feito: depois de aprovar os pedidos anteriores nos demais circuitos, os dirigentes da Federação Internacional de Automobilismo Esportivo (Fisa) vetaram a troca no Japão. Mas isso não impediu que Senna buscasse largar outra vez na frente. Em mais uma exibição de gala na véspera da corrida, o brasileiro cravou 1m36s996 e obteve a oitava pole da temporada – a 51a de sua carreira. Prost registrou o segundo melhor tempo, com 1m37s229, e garantiu a posição ao lado de Senna na primeira fila. Estava montado o cenário para um dos momentos mais controversos da história do automobilismo.
SEM PRESSÃO
Para Senna, o GP do Japão era o palco ideal para o bicampeonato. A casa da Honda foi o local da conquista de seu primeiro título, e Suzuka também seria a pista perfeita para levantar a taça depois da polêmica desclassificação sofrida em 1989. A corrida em solo nipônico não seria, entretanto, a única chance para Senna sacramentar a conquista de seu segundo título. Com boa vantagem na classificação, ele ainda teria o GP da Austrália caso o título não viesse no Japão. Alain Prost, por outro lado, precisaria partir para o tudo ou nada – e Ayrton saberia como explorar o desespero do rival.
O importante é que não estou sofrendo pressão alguma. Estou tranquilo e certo de que o campeonato virá naturalmente, afirmou o brasileiro. Nos últimos dois anos, a essa altura da temporada, a pressão era muito maior. Neste ano mesmo, no início do campeonato, tive outros momentos muito mais difíceis. Agora não. Só quero pensar no presente e no futuro.
O BI EM 300 METROS
Seu futuro era, de fato, o bi – que veio em menos de dez segundos, cerca de 300 metros depois da largada. Confirmando a previsão de Senna, Prost aproveitou a largada na faixa mais limpa da pista para colocar o carro á frente. Ayrton reagiu e manteve sua posição para impedir que o francês contornasse a primeira curva na liderança. A colisão foi inevitável. Os ex-companheiros de McLaren sumiram em meio a uma nuvem de poeira na caixa de brita de Suzuka. Saíram de seus carros e mal trocaram olhares. O título era de Senna.
O novo bicampeão do mundo sentiu-se vingado não apenas pelo ocorrido em 1989, mas também pelo veto da cartolagem á mudança defendida por ele na posição do grid. Você luta com todas as forças para conseguir a pole e largar no melhor lugar da pista. Eles não quiseram trocar e me deixaram no lado mais sujo. Com isso, tive uma má largada. Se tivesse largado no lado ideal, eu teria pulado á frente sem problemas. Mas a decisão foi da Fisa, não minha, portanto o resultado foi esse. Foi uma decisão política, na minha opinião.
A festa brasileira em Suzuka foi completa: além do título de Senna, houve dobradinha verde e amarela no pódio, com vitória de Nelson Piquet e segundo lugar para Roberto Pupo Moreno. Ainda assim, Ayrton lamentou pelos milhões de fãs brasileiros que ficaram acordados para torcer por ele na madrugada. Queria ter dado a eles mais uma hora e meia ou duas horas de emoção. No ano que vem a gente tenta de novo, com maior força. Aos oponentes – tanto na pista como fora delas, Senna não reservou a mesma cortesia, como ficou evidente em sua mensagem como vencedor de dois campeonatos mundiais: Este título eu dedico a todos aqueles que lutaram contra mim no ano passado e me machucaram muito. Está aí a demonstração para eles de quem é o campeão.