Há pilotos de Fórmula 1 que já alcançaram seu objetivo maior simplesmente por estar nela. Tanto faz estar no último ou no primeiro lugar, na largada, ou nunca ter grandes chances – basta estar na Fórmula 1. Para outros, basta estar pelo menos entre os primeiros. Ganhar pontos, ir uma vez ou outra para o pódio, já é suficiente. Mas para Ayrton Senna só existia uma coisa – vencer, não importando a ele o que os outros pensassem. Acho que todos nós temos sentimentos diferentes, mas existe alguma coisa que é comum a todos nós, para além das nossas diferenças pessoais: é o amor ao automobilismo. Temos vontade de arriscar coisas, de assumir o risco e a dor, de fazer sacrifícios, tudo isso apenas pela alegria de ser o número Um.
Vencer é como uma droga; disse ele uma vez, ao longo de uma sequência de vitórias – e ele já era dependente dessa droga, pois já sentira o seu efeito 41 vezes. Sua última vitória – Austrália, 1993 – foi para ele também uma das mais importantes e mais bonitas.
Austrália 1993 foi um fim de semana de emoções: a despedida de Ayrton Senna da McLaren depois de seis anos, e simultaneamente o último Grande Prêmio para o seu grande rival Alain Prost. Senna, que era muito mais sensível do que muitos avaliam, captou os sentimentos com precisão. A despedida era difícil para ele, embora sempre tivesse, visivelmente, o desejo de vir a pilotar na Williams. Mas estou deixando um monte de bons amigos lá. Trabalhei o tempo todo muito bem e gostando muito de todos, dos mecânicos, dos engenheiros.
Foi uma parceria fantástica, com todo o êxito que trouxe para uma fase muito especial da minha vida. É um pedaço da minha vida que estou deixando para trás.
Já no grid de largada as emoções transbordaram. O chefe da equipe, Jo Ramirez, que nos seis anos de trabalho conjunto acabou se tornando um amigo, foi até Ayrton, já no carro, e disse: Se você ganhar mais essa, então vou te amar para sempre. Senna não conseguiu conter as lágrimas. Cinco minutos antes da largada, lá estava ele chorando no carro.
Jo é um grande amigo, dono de um grande coração, e é também uma pessoa muito emotiva. Quando chegou perto de mim, também fiquei muito emocionado. Foi uma experiência bonita, embora também muito perigosa, porque a gente precisa de uma concentração absoluta. Mas foi muito bonito, foi um teste para mim, ver que com todo o profissionalismo, com toda a responsabilidade, num momento desses, as emoções, que sempre estão dentro de mim, fluem de uma forma linda. Ele conseguiu recuperar o controle antes da largada, e sair pilotando – dominando o tempo todo.
Embora a Williams fosse o melhor carro, Prost não teve chance. Mesmo quando o chefe da McLaren, Ron Dennis, ficou extremamente nervoso, discutindo com o engenheiro de corrida de Senna, Giorgio Ascanelli, sobre o cálculo correto de consumo da gasolina e depois com o próprio Senna, pelo rádio, sobre o momento certo da segunda parada no boxe.
E como é que você ficou sabendo disso? perguntou Ayrton, perplexo, quando foi inquirindo após a corrida. Solução do enigma: a televisão francesa tinha interceptado a conversa por rádio do boxe da McLaren. E eu que pensei que a nossa comunicação fosse codificada…. Senna não parecia correr qualquer risco de perder esse Grande Prêmio.
De qualquer forma, segundo ele, nada era fácil: É uma vitória da vontade, da vontade de fazer tudo certo do início ao fim, de não se permitir errar, mas também de dar ao máximo absoluto. Durante toda a corrida, em cada volta, em cada curva. Era este o único jeito de ganhar. Com noventa por cento eu não teria ganhado, era preciso fazer cem por cento.
Conseguir chegar lá lhe dava uma satisfação especial: Não é somente a vitória por si só que conta, mas como cheguei lá. E esse é um tipo de coisa que só eu posso saber, porque fui eu que experimentei, vivi e senti cada curva de cada volta.
As cenas mais bonitas aconteceram depois da chegada. Quando Senna saiu do carro, Ron Dennis pegou-o pelo braço e cochichou para o piloto, que dava a escuderia a sua 104a vitória, trazendo a equipe para a ponta da lista dos melhores: Nunca é tarde para mudar de opinião. Ele ainda tentava convencê-lo a não ir para a Williams.
Veio então um curto aperto de mão com Alain Prost e as fotos no pódio, quando Senna se aproximou do seu velho inimigo mortal e de Damon Hill, que no ano seguinte viria a ser colega de Williams. Puxou-os para a parte superior do pódio.
Isso saiu espontâneo, ditado pelas circunstâncias, e não poderia ser de outra forma, nem terminar de outra forma. Era a situação, nós juntos no pódio, após a corrida, numa grande festa para a Fórmula 1, para os fãs, nós dois chegando ao final de uma parte importante de nossas vidas…. Ele não quis dizer isso que tudo o mais estava esquecido.
Mas, apesar de todas as diferenças, somos dois esportistas, dois campeões do mundo… Agora não é a hora de se falar muito. As palavras aqui só podem prejudicar, atrapalhar….é preciso deixar tudo simplesmente como está. Acho que os meus sentimentos e os dele ficaram expostos. Foi alguma coisa que não seria possível antes – mas naquele momento foi possível.
Foi em Adelaide 1993 que se viu a última vitória de Senna – em 7 de novembro de 1993. Vinte e nove anos depois dos primeiros testes no kart, patrocinado pelo seu pai Milton, 25 anos depois da primeira – e não-oficial – corrida de kart, disputada por Senna contra concorrentes de idade muito maior. A ordem dos karts na largada foi resolvida colocando-se Ayrton, o mais novo, no primeiro lugar, com o que recebeu o número 1. Já comecei a minha vida de corredor na pole position, dizia. Ele prometia, era pequeno e leve, sempre passava na frente dos outros nas retas. Mas, já no final, alguém chegava por trás e o ultrapassava. O que eu sei é que aquilo me dava muito prazer.
Venceu sua primeira corrida oficial em 1a de julho de 1973, em Interlagos, e a partir daí passou a colecionar, durante muitos anos, todos os títulos de kart possíveis na América do Sul. Já se via nele a busca da perfeição em todos os níveis: na preparação técnica do kart, no seu desejo de aprender; ele não queria nada pela metade. A primeira vez em que pilotei um kart debaixo de chuva foi um catástrofe. Não conseguia fazer nada, todo mundo me ultrapassava. Então, passei a treinar sempre que chovia, e com o passar do tempo dominei a coisa….. Mais tarde, correr na chuva passou a ser um dos grandes talentos de Senna.