Sem tomar conhecimento da briga entre McLaren e Ferrari, o brasileiro da Lotus foi o dono do espetáculo em Spa-Francorchamps.
O Grande Prêmio da Bélgica de 1985 estava originalmente marcado para 2 de junho, naquela que seria a tão esperada volta tradicional circuito de Spa-Francorchamps ao calendário da Fórmula 1 – as últimas dez edições da prova haviam acontecido em Zolder.
Os treinos de sexta-feira forma realizados normalmente; no entanto, quando os carros saíram dos boxes para as primeiras voltas de sábado, a pista de Spa não resistiu. O asfalto começou a soltar em assustadoras placas, e os pilotos, apontando o risco flagrante de acidentes, exigiram o cancelamento da prova. Os dirigentes da Foca resistiram, mas os protagonistas do espetáculo não recuaram e finalmente fizeram suas vozes serem ouvidas: pela primeira vez na história, um Grande Prêmio era cancelado na véspera de sua realização.
A prova foi, então, reagendada para 15 de setembro, tempo suficiente para que a administração do autódromo resolvesse a situação. Com a pista devidamente restaurada, o circuito receberia alguns eventos antes da chegada das máquinas da Fórmula 1: no dia 1a de setembro, seriam realizados os 1.000 km de Spa-Francorchamps, pelo Mundial de Endurance, com a presença de diversos pilotos que também disputavam o Mundial de Fórmula 1. Um deles era o alemão Stefan Bellof, da Tyrrell, considerado, ao lado de Ayrton Senna, um dos nomes com potencial para chegar ao título mundial. Mas sua promissora carreira seria abreviada naquele domingo: após uma colisão com Jacky Ickx, Bellof morreu na pista de Spa.
Menos de duas semanas depois da tragédia, a máxima categoria do automobilismo voltava a Bélgica – com o primeiro dia de treinos marcado a sexta-feira, 13 de setembro. A bruxa parecia ainda estar á solta: Niki Lauda bateu forte e precisou ser levado de helicóptero ao hospital, aonde foi constatada uma lesão no pulso direito. A McLaren tentou entregar o carro de Lauda a John Watson, mas a Ferrari vetou a substituição – e assim Alain Prost, líder do campeonato, ficava sozinho contra o jogo de equipe da Ferrari, que contaria com um possível auxílio de Stefan Johansson para o vice-líder Michele Alboreto. De qualquer forma, o francês garantiria a pole position, seguido por Ayrton Senna, da Lotus, e Nelson Piquet, da Brabham. Alboreto e Johansson vinham logo atrás. A disputa prometia.
PERFEITO
Mas no domingo, 15 de setembro, não haveria nem McLaren nem Ferrari. Ao menos não como protagonistas.
O público de Spa-Francorchamps foi brindado com um solo absolutamente magistral de Ayrton Senna, a bordo de sua Lotus 97T. A chuva deu as caras na Bélgica, como já havia acontecido em sua primeira vitória, no GP de Portugal; mas, desta vez, também dividiu com o sol, dominante na segunda parte da prova, o privilégio de assistir ao segundo triunfo do brasileiro na Fórmula 1.
Ayrton liderou praticamente de ponta a ponta. Na largada, deixou Prost para trás e viu, pelo retrovisor , Nelson Piquet rodar na pista molhada logo depois da primeira curva. Daí para frente, perdeu a liderança apenas por uma volta, quando foi para os boxes colocar pneus para a pista seca. Ao cruzar a linha de chegada, Senna tinha nada menos do que 30 segundos de vantagem para o vice-líder, Nigel Mansell, da Williams.
Ayrton Senna foi perfeito. Do primeiro ao último minuto de prova. Incomparável na largada, ao perceber a importância da primeira curva, fechada, numa pista molhada e de grande risco. Único a perceber o momento certo de entrar nos boxes e trocar os pneus de chuva pelos slick. Irrepreensível na tocada da Lotus, mantendo a média sem jamais deixar que Nigel Mansell se aproximasse de maneira a se tornar ameaçador, aplaudiu o jornalista Celso Itiberê, titular da coluna Pit-Stop de O Globo, na edição de 16 de setembro de 1985. Uma corrida que aliou o talento a coragem, porque para andar na chuva naquele ritmo não basta ser destemido, é preciso ser também competente, e muito.
OUTRAS ALEGRIAS
Nigel Mansell comemorou o segundo posto na Bélgica: era a melhor colocação de sua carreira na Fórmula 1. Até então, em 70 corridas disputadas, havia conseguido apenas cinco terceiros lugares. Alain Prost, que completou o pódio, também saiu contente: como Alboreto abandonou a prova, seu terceiro lugar o deixou ainda mais perto do título, que já poderia ser conquistado na prova seguinte, o Grande Prêmio da Europa. Nada mau para um fim de semana que começou tão nebuloso.