O ERRO QUE VIROU LIÇÃO

Ayrton Senna, GP de Mônaco 1988; o erro que virou lição

Com a vitória encaminhada do Grande Prêmio de Mônaco, Ayrton Senna, com a pole position assegurada após um desempenho arrasador nas ruas do principado, deu uma entrevista ao jornalista Sérgio Rodrigues, enviado especial do Jornal do Brasil para a corrida. Estou numa ótima, definiu o piloto, exalando a confiança no carro e em seu talento.

Ainda há muito o que melhorar, mas sem dúvida cheguei finalmente a um outro plano técnico na Fórmula 1.

A luz dos acontecimentos que se desenrolariam dentro de algumas horas, a reportagem publicada no jornal carioca no domingo, 15 de maio de 1988, é ao mesmo tempo premonitória e esclarecedora. As declarações de Ayrton Senna sobre o sentimento de pilotar a McLaren parecem descrever exatamente o estado de espírito que tomou conta do piloto nas ruas do principado quando sua liderança era absoluta, e que o levou, em última análise, a cometer o erro que custou a vitória.

É um prazer incrível. Você sente que tem comando total sobre o carro, por mais que esteja se arriscando e tirando finas de centímetro dos guard rails. Quando isso acontece, o carro tem uma força interna que parece exigir que você pise mais fundo ainda no acelerador, começa a puxar você.

É importante ter autocontrole nesses momentos para não atender aos desejos do carro e saber que você também tem um limite, além do qual o risco de acidente é grande demais, explicou o piloto. Deu para ter um gostinho dessa sensação a que me refiro no Lotus (de) 85, um carro com o qual me identificava bastante. A diferença é que em 85 eu quebrava muito, liderava um monte de corridas mas tinha os maiores problemas para chegar ao fim, e agora isso não acontece.

Senna também comparou a forma de pilotar nos treinos e na corrida. A diferença é que você não pode andar no limite do limite durante duas horas, sem cometer erros. Na corrida, você tem que dar uma margem de segurança maior e passar a 5 centímetro apenas. Mas é claro que com um carro que está na sua mão tudo fica um pouco mais fácil.

Por fim, Ayrton fez uma previsão quase certeira para o GP de Mônaco. De qualquer maneira será uma prova muito dura. A largada, então, vai ser fundamental. Quem pular na frente vai se poupar de um desgaste enorme, não vai ter tantos problemas com o superaquecimento do motor e dos freios e terá mais chance de vitória, enfatizou, antes de fazer uma fatídica ressalva. Isso, claro, se não cometer erros.

MEIA CULPA

Após o acidente que o tirou da prova, Ayrton Senna, visivelmente abalado, ne retornou para o box da McLaren: seguiu direto para seu apartamento no principado, que ficava a cerca de 100 metros do local da batida. De lá, viu o restante da prova pela televisão e fechou-se no quarto depois do final da transmissão.

Algumas horas depois, ressurgiu e deu sua primeira versão do acidente. Meu erro foi ter diminuído a velocidade. Perdi a concentração nesse momento, toquei no guard rail e não consegui controlar o carro. Se tivesse continuado no ritmo forte de antes isso não teria acontecido, explicou ele, citando a orientação que havia recebido de Ron Dennis para desacelerar, já que Prost havia reduzido o ritmo e não era nem de perto uma ameaça a sua liderança. Antes disso, Senna vinha forte, mesmo tendo a enorme vantagem para o companheiro de equipe: na 59a volta, o brasileiro registrou 1m26s321, a marca mais rápida da prova.

Entretanto, mais tarde, quando ficou sabendo que a McLaren havia chegado aos boxes com o pneu traseiro esquerdo vazio, mesmo ele não tendo sido atingido na batida, Ayrton chegou a uma segunda versão para o acidente. Agora estou entendendo porque o carro vinha arrastando no chão em certos momentos nas voltas anteriores, quando, na verdade, deveria ficar mais longe do chão á medida que a gasolina fosse acabando. O pneu estava despressurizando, conjecturou, sem bater o martelo sobre a causa definitiva do episódio. Erro meu ou problema de pneus, dá no mesmo: a corrida está perdida.

Não foram poucos os que se apressaram em criticar Senna, retomando as antigas colocações de falta de autocontrole e obsessão desmedida pela velocidade. O piloto, maior crítico de si mesmo, lambeu as feridas em silêncio. Voltou a falar rapidamente sobre o assunto apenas no embarque para o GP de México, em 24 de maio de 1988, quando admitiu, novamente, a descontração no momento da batida, de acordo com ele um erro estúpido causado por estar relaxado, e não por pensar em recorde da pista.

Senna não deixaria um fato como esse se repetir, jamais.

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