A relação próxima com os país e os irmãos ultrapassaria a infância e se tornaria o porto seguro do piloto tricampeão do mundo.
Não era para andar de jet-ski, brincar com seus aeromodelos ou sair a noite despreocupado que Ayrton Senna, a cada janela possível que encontrava no calendário da F1, dava um jeito de voltar para o Brasil. A saudade que o piloto sempre confessou ter de casa estava muito mais relacionada a quem estava aqui do que as coisas que poderia fazer por aqui. E quem estava aqui, sempre, era sua família – um fator constante e decisivo que formou como piloto, e, principalmente, como cidadão.
Fui privilegiado por crescer em um ambiente saudável. Minha família me deu essa oportunidade e esteve sempre pronta para me apoiar. Quando tenho algum problema, alguma dúvida, são as pessoas a quem posso recorrer, declarou ao jornalista Christopher Hilton, autor de sua primeira biografia, Ayrton Senna, The Hard Edge of Genius, lançada ainda em 1990. Sou muito próximo a meus país, a meu irmão e a minha irmã. Ela tem três filhos, que são as coisas mais bonitas que podem acontecer na sua vida.
UM MENINO ACELERADO
Ayrton Senna da Silva nasceu em 21 de março de 1960, em uma família de classe média alta em São Paulo. Milton da Silva, o pai, era dono de uma metalúrgica que fornecia peças para a indústria automotiva – um homem de negócios, determinado e focado, que, mais tarde, prosperaria também como fazendeiro pecuarista. A mãe, Neyde Joanna Senna da Silva, estava na retaguarda, gerenciando a casa, como era de costume na época. Mas não temia avançar determinadas fronteiras, caso seu desejo assim determinasse; era uma das poucas mulheres que, em meados dos anos 1950, dirigia um automóvel pela cidade.
A primogênita do casal, Viviane, nascera três anos antes de Ayrton. Isso dava a ela, nas brincadeiras, o papel natural de liderança; mais tarde, já como psicóloga, essa influência se refletiria também na vida do piloto.
A chegada de Leonardo, em 1966, tirara-o da condição de caçula. De certa forma, Beco – apelido que Ayrton ganhou ainda quando bebê e que carregou por toda a vida, na intimidade da família e dos amigos – assimilaria parte das características de cada um dos Senna da Silva para moldar uma personalidade única, que, desde cedo, já enveredava pela velocidade.
A predileção por brinquedos com rodinhas e o gosto pela competição não era incomum, claro, em crianças de sua idade. Mas, aos poucos, os adultos forma notando que o interesse de Beco pelo mundo dos carros ultrapassava a simples admiração infantil; boquiabertos, eles se surpreenderam com a habilidade inata do menino ao volante.
O amigo Paulo Cassab relatou a Christopher Hilton uma história ouvida diretamente do pai do protagonista. Seu Milton tinha um jipe em uma das fazendas, usado pelo caseiro. Um dia, o Ayrton pegou o jipe para dirigir dentro da fazenda. Ele tinha sete anos. E trocou as marchas sem usar a embreagem! Seu Milton mal podia acreditar. O motor era muito antigo, era preciso apertar bem a embreagem, mas o Ayrton conseguia passar a segunda, a terceira, a quarta sem encostar no pedal!
007: LICENÇA PARA CORRER
Sentindo que era impossível represar por muito tempo esse talento, seu Milton resolveu acelerar o processo – e construiu, nas oficinas de sua metalúrgica, um kart para o filho. Tratava-se de um bólido bem simples, motor dois tempos, com a potência de um cortador de grama, montado em parceria com o Doutor Passos, um médico fanático por mecânica.
Nos finais de semana, pai e filho seguiam juntos para a pista inacabada da Marginal Tietê, ponto de encontro dos pilotos amadores, onde o garoto acelerava seu 007 até o sol se pôr. Eu fazia aquilo pra mim mesmo, para me sentir bem. Eu nem sabia quem eu era ainda.
No tempo certo, Beco descobriria. E o mundo conheceria Ayrton Senna.