Ayrton Senna supera imprevisto, intempérie e exaustão física para triunfar em Estoril.
Na véspera do Grande Prêmio de Portugal de 1985, enquanto todos temiam a tempestade que se anunciava no dia seguinte sobre Estoril, o pai de Ayrton Senna, Milton da Silva, confessava ao repórter José Antônio Gerheim sua torcida particular pelas águas. E explicava porque ele e a esposa, dona Neyde, estariam presentes no circuito, mesmo que um toró de proporções bíblicas caísse em Portugal.
Sei que não veremos nada. Pela televisão, em casa, até seria melhor acompanhar a corrida. Mas, no caso do Ayrton vencer, o que sei que é muito difícil, nada compensará o prazer de estar junto dele, depois da corrida.
De fato, a confortável vantagem registrada no resultado oficial da prova escondia a quantidade de obstáculos que Senna teve que superar até trazer a Lotus de volta para os boxes, quando receberia, em família, o abraço da vitória. Tudo, então, valeria a pena.
SUSTO MATUTINO
Na manhã de domingo, horário de Portugal, as máquinas aceleraram na última sessão de treinos livres, na qual são feitos os ajustes finais para a corrida. Mais uma vez, Senna vinha bem, dividindo 0s melhores tempos com Elio de Angelis. Até que, sem nenhum aviso prévio, sua caixa de câmbio quebrou – e, como se descobriria na sequência, também o motor. A três horas do início da prova, o brasileiro via sua Lotus guinchada, desmontada e reconstruída.
Largar com uma nova caixa de câmbio e com um novo motor representava uma incógnita, ainda mais adiante da anunciada chuva que finalmente começava a cair em Estoril. Desde que chegara a Lotus, o piloto ainda não havia tido a oportunidade de pilotar em asfalto molhado.
Eu estava completamente perdido naquelas condições, porque não tinha a menor ideia de como o carro se comportaria naquela pista com tanta água, declarou Senna ao jornalista Mike Doodson. Além disso, estava com o tanque cheio, então fui muito devagar nessas voltas, para não bater antes mesmo de começar. Não tive coragem nem de testar a arrancada do motor.
Já nas primeiras voltas de corrida, mais acostumado com o carro, Senna começou a pisar mais fundo. E, logo, o circuito era só dele.
LUTA INVISÍVEL
Como seu Milton bem lembrara, seu filho adorava pilotar na chuva. Mas, ainda que, aos olhos do público, Senna tenha levado a Lotus com extrema tranquilidade em Estoril, dentro do cockpit a batalha foi feroz. Posso dizer que, embora tenha liderado a corrida, inúmeros momentos de perigo, devido ao estado da pista, quando parecia que não iria conseguir controlar o carro, explicou ao Jornal do Brasil. Pela primeira vez, tive tremura e câimbras. Quando a corrida acabou e eu queria a todo custo sair do carro, extravasar minha alegria e emoção, a perna direita não obedecia, parecia imobilizada, completou. Foi uma barra.
Mesmo com a vitória, Senna não aliviou para a direção do Grande Prêmio, que, na opinião do piloto, deveria ter determinado a suspensão da prova muito antes de duas horas. É um absurdo realizar uma corrida nessas condições. Em Mônaco, no ano passado, chovia menos e a corrida foi interrompida, quando eu ia ultrapassar Prost e vencer. Aqui em Portugal, ela foi disputada até o fim, alfinetou, lembrando a polêmica decisão que deu a vitória ao francês em 1984. Mas veio a compensação e eu venci uma prova muito mais perigosa e difícil, quando tinha que controlar a pista e a mim mesmo.
Uma pequena mostra da dificuldade dessa corrida: ao tentar roubar a segunda posição de Elio de Angelis, na metade da disputa, Prost aquaplanou na reta, rodou como um pião, bateu na guia de proteção e abandonou a corrida.
Confirmou ai, o respeito de todos pelo Ayrton Senna e a outras vitórias contaremos aqui no Almanaque do Senna.