Apesar do problema na largada e da consequente desclassificação, Ayrton Senna roubou a cena com um show de pilotagem em Jacarepaguá.
Os testes no início do ano haviam sido promissores. Mas Ayrton Senna, sempre prudente, não queria colocar o MP4/4 na frente dos bois, apesar da badalação que já cercava o novo modelo da McLaren, o grande favorito para levar o título de 1988. Em entrevistas, Senna lembrava que se tratava de um carro novo, ainda não testado em situações oficiais de corrida. Pouco depois de desembarcar no Rio de Janeiro para a disputa do Grande Prêmio do Brasil, Ayrton, mesmo sem muito jeito para futebol, teve que driblar os pedidos dos jornalistas que queriam dele um exercício de futurologia para o desempenho do bólido nos treinos de classificação em Jacarepaguá.
Pole não dá para adiantar. Seria chute com duas pernas. E não gosto de chutar. Mas é verdade também que a McLaren está forte. É o melhor carro que já guiei na minha vida.
Senna estava sendo sincero. Assim como era sincero quando respondia sobre sua comentada disputa com Alain Prost: ao menos até aquele momento, o francês ainda era um aliado para o desenvolvimento e para os ajustes do carro. Se tivermos o melhor carro, os dois serão iguais e as nossas possibilidades serão maiores do que as dos outros.
Mas eu prefiro pensar que devemos somar forças. Se conseguirmos desenvolver bem o carro, estaremos á frente dos adversários. Depois, sim, a barra será tão pesada para ele quanto para mim na luta interna pelo título.
XÔ CHUVA
Era natural, claro, que o desempenho dos companheiros de equipe fosse comparado a cada atividade. E o brasileiro levou a melhor nos primeiros rounds, conquistando os melhores tempos nos treinos oficiais de sexta e sábado, esse último lhe valeu a pole position com uma maraca supersônica de 1m28s096, contra 1m28s782 de Prost, terceiro colocado.
Estou confiante. Como já disse, o carro é ótimo e vou partir com tudo para vencer, afirmou Ayrton, que, pela primeira vez em muito tempo, torcia para que a chuva não desse caras no dia da corrida. Pode parecer estranho que eu esteja com receio da chuva, porque tenho sempre corrido bem em pista molhada. É que desta vez meu carro está muito bem acertado, mas, na chuva, eu não poderia usar sua potência no limite, explicou.
DE TIRAR O FÔLEGO
No final das contas, as condições climáticas não fariam diferença: Senna acabou desclassificado por uma infração antes de sua largada. Momentos antes da luz verde, Senna percebeu que a caixa de câmbio havia quebrado. O brasileiro desligou o carro e agitou os braços, indicando que não conseguiria largar. Os mecânicos da McLaren foram á pista, mas não conseguiram solucionar o problema. Decidiu-se então que Senna utilizaria o carro reserva, assim, o piloto deixou o grid e largou dos boxes. Nesse momento, seu destino foi selado. O regulamento proibia a troca de carros depois da aparição da bandeira verde, que precede o acender das luzes.
A direção de prova demorou a fazer o anúncio de sua desclassificação: apenas na 30a volta Senna foi chamado aos boxes. Nesse ínterim, Ayrton deu um show, que não contou pontos, mas valeu o ingresso.
Ao término da primeira volta, Senna era o 21a colocado, no final da quarta volta, havia subido para 15a, ao fim da oitava volta, Senna ultrapassou Nelson Piquet no final do retão e assumiu a quarta posição. Na 20a volta, o brasileiro da McLaren já era o segundo colocado, apenas atrás de Prost.
Ayrton cairia para sexto após um azarado pit stop para troca de pneus: o motor morreu e mais de 30 segundos foram desperdiçados no box. De qualquer forma, logo depois viria o chamado da direção de prova, encerrando o espetáculo.
No calor dos acontecimentos, Ron Dennis e a McLaren protestaram veemente contra a bandeira preta dada a Senna. Lamentamos profundamente a decisão. Ayrton fez uma corrida fantástica, jamais em minha vida vi um piloto, em apenas 20 voltas, sair da penúltima para a segunda colocação. Pena que seu esforço tenha sido em vão, afirmou Creighton Brown.
BOLA FRENTE
Para evitar mal-entendidos, Senna saiu de Jacarepaguá sem conversar com os jornalistas. No dia seguinte, porém, deu entrevistas para esclarecer os acontecimentos da prova e afirmou que, após análise mais detalhada, verificou que sua desclassificação havia sido justa.
Tenho certeza de que não houve nenhuma falha da comissão de corridas, declarou, explicando o silêncio pós-prova. Eram tantas as perguntas dos repórteres e as insinuações de que a desclassificação tinha sido um erro na interpretação do regulamento que eu nem quis falar nada a respeito e fui logo para o hotel. Mas tudo isso agora é passado e temos de começar a pensar na próxima corrida. Lamento apenas que tenham demorado tanto tempo para decidir minha desclassificação, permitindo que eu corresse no limite para recuperar posições. O importante é que ficou provado que a McLaren vai fazer muitos pontos este ano.
O começo não foi o ideal. Mas, enfim, o que vale é o final.