AYRTON SENNA O BI MUNDIAL NO JAPÃO 1990; A PAZ DO CAMPEÃO

Ayrton Senna bi mundial no Japão 1990

Em Suzuka, Ayrton Senna apagou a frustração pelo desfecho controverso de 1989 e comemorou a evolução como piloto.

Nem parecia que Ayrton Senna tinha aguardado um ano inteiro por seu segundo título mundial. Após a batida com Alain Prost, o semblante tranquilo do brasileiro chamou a atenção dos repórteres que acompanhavam seu retorno ao box. Na verdade, sua ficha ainda não havia caído: ele havia imaginado que o GP do Japão seria reiniciado do zero, com todos os pilotos de volta aos seus lugares no grid – e assim, portanto, não sabia que já era o novo bicampeão.

Minha reação instantânea foi voltar logo para, caso acontecesse uma nova largada, poder pegar o carro reserva. Só depois de umas duas ou três voltas, ao ver que a corrida tinha mesmo continuado, é que eu enfim soube que o campeonato estava automaticamente decidido, contou Senna.

Na minha caminhada rumo ao box, procurei ir soltando todo o peso que estava sobre os ombros. Simplesmente fui esvaziando toda a frustração passada e sentindo todo o prazer da vitória.

EU SOU VOCÊ AMANHÃ

Enquanto Prost vociferava contra Senna no box da Ferrari, cozinhando um ratatouille de críticas, ofensas e provocações ao arquirrival, o bicampeão abraçava, um a um, todos os engenheiros, mecânicos e funcionários de seu time, dedicando um afago mais demorado a Ron Dennis. Criticado por seu temperamento impulsivo, especialmente durante todo o imbróglio com Jean-Marie Balestre, Ayrton agora trocava de papel com o Professor Prost, incensado pelos fãs franceses por ser frio e fleumático.

Para Senna, o francês contrariou a própria reputação no acidente que decidiu o campeonato. Quem tinha algo a perder ali era ele. Todo mundo sabe que uma corrida requer estratégia e técnica. Na minha opinião, ele errou, pois não pensou, ensinou o brasileiro. Eu não tinha como perder o campeonato nesta corrida, mas ele sim. Eu poderia seguir várias estratégias, ele não. Eu tinha uma grande vantagem psicológica sobre ele.

Ayrton voltou a tratar do aspecto psicológico da Fórmula 1 ao responder a um jornalista sobre se achava que tinha atingido seu auge como piloto. É muito difícil manter a frieza diante de certas circunstâncias. E eu tenho conseguido, coisa que no passado era mais difícil. Então acho que evoluí muito. Mas tenho certeza de que ainda tenho muito a aprender.

BELLA MILANO

A tranquilidade exibida por Ayrton Senna em Suzuka foi, em boa medida, resultado da decisão de ir arejar a cabeça antes da decisão do campeonato. O brasileiro passou uma semana inteira em Milão, aproveitando uma merecida folga. Foi visto em um jogo de basquete, nos camarotes do GP de Monza de Super Bike e em diversos restaurantes famosos da cidade.

Senna disse ter renovado as energias graças ás miniférias. Lamentou apenas o cerco dos paparazzi durante os passeios: Se você está querendo se esconder, não vai para a Itália. Senna só voltou a exibir algum sinal de estresse no briefing dos pilotos antes da prova, quando foi decidido que, em caso de saída da pista na já famosa chicane do acidente de 1989, seria permitido retornar ao traçado com ajuda de um oficial de prova. Todos os pilotos, unânimes, concordaram. E eu me levantei e fui embora. Porque foi exatamente isso que eu fiz em 1989 e me desclassificaram justamente por esse motivo, lembrou.

A VOLTA POR CIMA

Com o bicampeonato mundial assegurado, Senna refletiu sobre a terceira campanha consecutiva brigando pelo título com Prost. Na comparação com 1988 e 1989, 1990 entrava para sua história pessoal como uma temporada de superação e resiliência. Acho que valeu mais a vontade de vencer e a fé na vitória, explicou. Em 1988 foi algo tremendo, porque era meu primeiro título. Os carros eram iguais e a diferença entre vencer era mínima. Este ano foi uma luta muito mais dura porque eu tinha uma desvantagem técnica.

Era inegável que a tumultuada decisão do título de 1989 ainda incomodava muito, mas Senna via na conquista do bi uma recompensa justa. No ano passado, fiz um tremendo campeonato e perdi por uma circunstância muito frustrante que foi aquele incidente, aquela vergonha. Neste ano lutei mais ainda, com vontade de dar a volta por cima. Tenho plena convicção de que os resultados durante o campeonato refletem a realidade ao fim de tudo.

Senna ainda teria mais um compromisso na temporada 1990, no GP da Austrália, mas a lição daquele brilhante campeonato já estava escrita. Nas dificuldades a gente vai encontrando mais força, mais certeza daquilo que a gente realmente quer, do que a gente realmente é. Isso só serve para fortalecer a personalidade, o caráter, os valores humanos. Se fosse tudo fácil, não teria tanto sabor, não teria tanto prazer uma vitória.

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