A chegada de Senna na Inglaterra

Ayrton Senna chegando na Inglaterra

O fato de ele ter ido para Inglaterra foi o primeiro sinal.

A viagem de 225 km de Londres até a cidade de Norwich, em East Anglia, revelou- lhe todos os aspectos essenciais da Inglaterra. Ao deixar Londres, ele passou por fileiras e fileiras de casas padronizadas até que elas se misturassem á teia de propriedades industriais e de velhas fábricas nos subúrbios. Agora, as casas ficavam cada vez mais distantes umas das outras, cada uma com seu jardim bem cuidado, antes de, repentinamente, o campo aberto surgir como uma bela colcha de retalhos de campinas, bosques e riachos sinuosos. Logo ele viu os telhados angulares cobertos de colmo das vilas perdidas no tempo, agrupados ao redor de uma velha igreja com seu torreão. East Anglia era uma paisagem calma, adormecida sobre os séculos.

Ayrton Senna deve ter sentido muito, muito longe do seu amado Brasil, mas alguma coisa importante aconteceu na viagem a Norwich: ele não desistiu.

Isso era um sinal.

Seu destino era uma pequena fábrica ao sul de Norwich, do outro lado da estrada principal para o circuito de Snetterton. A proximidade entre a fábrica e o circuito não era coincidência, pois os pequenos carros de corrida feitos na fábrica podiam ser testados no circuito. Era uma típica base aérea fora de uso- bombardeiros americanos decolavam de lá na Segunda Guerra Mundial – com instalações simples e, uma vez mais, típicas. É o lugar onde se constroem as bases de uma carreira de piloto, em dias frios e solitários, conquistando quilômetros rodados, como afirma o ditado. As joias e os enfeites viriam mais tarde e em outro lugar, mas apenas para quem os conquistasse.

O jovem que se apresentou a Ralph Firman podia ser um pouco tímido por natureza, mas sabia o que queria, e isso não é uma contradição. Ele queria passar seu ano nas pistas e vencer corridas.

Firman, Chico Serra e Senna foram comer em um restaurante com paredes revestidas de carvalho, em um hotel na cidade de Attleborough, ali perto, e falaram de negócios. Outra coisa importante aconteceu enquanto falavam: Firman ofereceu o que Serra considerou uma boa oferta, mas, o que quer que fosse oferecido, Senna queria mais.

Firman disse: você pode testar o carro durante trinta dias, e Senna respondeu: não, não, quero cinquenta.

Isso continuou até que, quando Senna foi no banheiro, Firman perguntou a Serra: quem é ele!? Aquilo era um sinal.

Finalmente, chegaram a um acordo. Logo, Senna se acomodou em um carro de corrida pela primeira vez e se preparou para pilotá-lo em Snetterton. Conforme saiu do box, foi, naquele dia de inverno, pela reta até a curva Riches, á direita, com a tribuna vazia a sua esquerda, e desapareceu, indo em direção a curva Sear.

Malcolm Pullen, um mecânico de Van Diemen, observava atentamente conforme Senna completava suas primeiras voltas e teve um pressentimento. Firman, que também observava, soube na hora. Da para saber, diz ele com uma sinceridade de desarmar.

Aquilo era um sinal, e naquele momento – em uma pista do interior com quase ninguém observando – a história do automobilismo mudou.

Há um aspecto importante aqui. O kart pode ser um mundo fechado e um fim em si mesmo. Naquela época, nem todos os pilotos de kart iam para o automobilismo. Alguns ficavam até a maturidade, e outros, depois de se divertir a valer com esse emocionante passatempo de fim de semana durante a adolescência, simplesmente deixavam o esporte para se dedicar a outras carreiras. O fato de ser bom piloto de kart não é uma garantia de que se é capaz de dominar carros de corrida, nem de que se pode sobreviver em um ambiente muito mais hostil. Muitos não conseguiram. Os karts eram radicalmente diferentes dos carros de corrida, e a transição podia ser complicada – ou nunca acontecer.

Senna fez a transição naquelas poucas voltas. ( continuaremos )