A longa disputa com Alain Prost
Eles sempre brigavam. O duelo entre Ayrton Senna e Alain Prost dominou durante anos a Fórmula 1, como nenhum outro antes. Um duelo que não se travou somente nas pistas, entre dois corredores, mas que também era a luta entre duas personalidades muito diferentes, uma luta pelo domínio, pelo poder, e principalmente em torno de princípios, uma luta sempre influenciada e estimulada por forças externas.
E tudo começou na mais bela harmonia em 1987, em Monza. A nova equipe McLaren-Honda apresentou para a temporada de 1988 os seus pilotos Prost e Senna, este último ainda discípulo modelo, que olhava com respeito para o mestre Prost. Tenho o maior respeito por Prost, não somente como piloto, devido ao seu desempenho, como também porque ele se dá muito e por tudo que já conseguiu.
Mas ele sabia muito bem o que queria. Para ser campeão do mundo era preciso superar Prost, derrotar o bicampeão mundial, o reconhecido Número Um da Fórmula 1.
Confiança em si mesmo para isso ele tinha, e já nos testes de inverno começou a mostrar quem era o homem mais rápido da equipe.
Mas as primeiras corridas não chegaram a ser ótimas e, após o Grande Prêmio do México, Prost vencia por 3 a 1. A esta altura já estava claro: a McLaren tinha certeza de que, naquele ano, o campeão seria Prost ou Senna. O campeonato se reduzia a um duelo entre colegas de equipe, a um duelo entre um jovem em rápida ascensão e a estrela já estabelecida, que já não se expunha ao risco extremo, devido a sua mentalidade, a sua maneira de se dedicar ao esporte. Era um duelo entre duas personalidades fortes, por um lado totalmente diferentes, por outro, também muito parecidas, como os dois haveriam de reconhecer.
Senna já via alguns pontos em comum: O desejo de vencer é alguma coisa que nos aproxima. O que naturalmente também o fazia reconhecer: Mas também é o que nos separa.
Eles se encontraram num ambiente que é particularmente inadequado para fazer amizades, como ficou claro no verão de 1988, quando a distância que separava Senna de Prost foi sendo reduzida em Silverstone, Hockenheim, Hungria e Spa – quatro provas ganhas em sucessão. Em Spa, Prost parecia resignado; congratulou Senna antecipadamente pelo título, demostrando grandeza e maturidade diante da situação. Foi preciso muita força interior para poder reconhecer que ali estava alguém que, com o mesmo material e nas mesmas condições, poderia vencê-lo, como fazia nos treinos, onde a questão era pura e simplesmente velocidade. Mas ainda era cedo, poucos haviam notado.
Quatro semanas depois, porém, em Portugal, surgiu o primeiro conflito aberto. A largada já havia sido interrompida duas vezes, uma devido a uma falha do motor de Andrea de Cesaris, e outra, devido a uma colisão. Nova largada, e Senna e Prost saíram, como de costume, na primeira fila, mas desta vez – que finalmente vinha com um carro absolutamente perfeito, como ele mesmo disse – com Prost excepcionalmente na pole position.
Mas embora Prost estivesse no meio, e Senna um pouco para fora, o brasileiro foi garantindo a segunda posição. E naquela prova Prost tinha o carro mais veloz, a melhor regulagem de combustível – com computador, que funcionava, ao contrário do que acontecia com o equipamento de Senna. Na segunda volta ele atacou, saindo bem da última curva antes da reta de chegada, e tentando ultrapassar. Senna foi para a direita, num espaço apertado, como o que havia entre a McLaren de Prost e o muro dos boxes, onde os mecânicos apavorados, entraram em pânico. O carro de Prost desviou levemente para a esquerda sobre uma ondulação do terreno, e Senna foi obrigado a abrir um pouco a porta. Prost avançou e ganhou, e Senna terminou em sexto lugar.
As discussões que se seguiram foram intermináveis. Alain Prost chamou os seus colegas de equipe, no motor home da McLaren, e contou abertamente o que tinha dito a Senna: Eu não sabia que você queria ser campeão do mundo a qualquer preço. Se está disposto a sacrificar a sua vida por um título, fique com ele! Eu abro mão disso, acho que minha vida vale mais do que um campeonato mundial.
Muito drama para uns, menos dramático para outros. Gerhard Berger viu cena na televisão e concluiu que não foi tão mau assim. O engenheiro da McLaren, Gordon Murray, disse que não haveria tanta discussão se não fosse entre dois colegas de equipe.
O chefe da segurança da FISA, Roland Bruynsereade, não viu nenhum motivo para tanta discussão, mas achava que alguém lá de cima deveria tomar uma providência. E assim, Senna foi citado diante do comissariado de esporte e advertido: mais uma manobra dessas e bandeira preta – desclassificação. Senna, numa frustração sem limite, não entendia por que seu carro, que tivera um bom desempenho durante toda a temporada, derrepente deixava a desejar. Ele foi se tornando mais agressivo e declarou: Prost me mandou duas vezes para a grama, e mais uma vez, depois da nova largada. O que era verdade. Por causa dele quase fui para a fora da pista, e oque fiz somente me desforrar.
Era uma situação complicada. Senna se sentia autorizado a reclamar o que achava que por direito lhe cabia. Ele falava de princípios, de legalidade, de consequências…. enquanto que outros o chamavam de egoísta, de criança teimosa.
Uma pequena digressão: cinco anos mais tarde, em Donington 1993, no treino livre, por duas vezes ele atravessou a pista na frente do carro do Prost. Perguntado em particular se achava necessária aquela brincadeira, respondeu: Mas Prost fez a mesma coisa comigo três vezes! Mas Senna deu azar, porque a televisão só mostrou ele fazendo isso, de modo que quem levou a fama de mau rapaz foi ele. Para mim tanto faz, disse ele um tanto agressivamente. O que não era verdade: a imagem oficial era mais importante.
O que mais irritou em Portugal, naquele episódio, foi o fato de Prost ter dito a todos que tinha conversado em particular com ele, no motor home. Perdeu a confiança e veio a ruptura, criando uma situação que haveria de perdurar e que esquentou mais ainda quando em Suzuka, Senna ganhou o primeiro título mundial. Prost fez de novo o papel de perdedor – e falou de sua esperança> Talvez agora seja mais fácil eu vir a ser campeão do mundo em 1989. Espero que agora Ayrton, que já tem o seu título, comece a agir de forma mais madura, sem jogar sempre cem por cento na corrida e na fixação da vitória- e com isso as coisas talvez fiquem mais fáceis para mim.
Niki Lauda não acreditava nisso: Senna vai melhorar ainda mais em 1989, exatamente porque vai ficar mais maduro, esquentar menos a cabeça. Nenhum dos dois estavam certos – pelo menos em relação aquele ano. Em Imola, 1989, começou tudo de novo, e pior ainda. No início, nada foi visto a não ser o choque e o terrível incêndio do carro de Gerhard Berger na curva Tamborello, que felizmente foi controlado. Depois Prost, segundo colocado, faltou a entrevista obrigatória dos vencedores (quem venceu foi Senna), porque ele é muito azedo. Começam as brigas.
Houve um acordo entre os dois pilotos da McLaren. Nada de riscos desnecessários, pelo menos na fase inicial. Quem largar melhor em princípio, fica na frente e o outro não ataca. Mas durante quanto tempo e até onde? Até a primeira curva? Na primeira curva? É ai que recomeça a briga.
Na segunda largada – após o acidente com Berger – Prost se saiu melhor e tomou a liderança. Na curva Tosa, ele já se sentia na liderança. Senna não o atacou, pois havia o acordo; sem ataques até a primeira curva, ou pelo menos foi o que Prost entendeu o que parecia lógico. Senna, como repetiu mais tarde, tinha entendido outra coisa; sem ataques na primeira curva, ao frear. E de acordo com a sua versão, também não foi a Tosa que ele ultrapassou a Prost, e sim antes. Ele ficou um pouquinho mais lento na reta, talvez tenha passado a marcha errada, não sei. De qualquer forma, na reta, eu já estava a uma velocidade bem maior. Deveria ter freado para ficar atrás dele? Eu já estava ao lado dele, antes do ponto de frenagem na Tosa, e freei um pouco mais tarde. Para mim, a ultrapassagem não se deu, na realidade, na curva, e sim antes. E, assim sendo, não tem nada a ver com o acordo que fizemos…. Prost ficou tão irritado que passou o resto do tempo na perseguição a Senna e acabou não tendo qualquer chance. Sentiu-se tão menosprezado, tão frustrado, que ameaçou o chefe da equipe McLaren, Ron Dennis, com sua saída: Assim não dá para mim. Dennis temeu pela equipe dos seus sonhos, e falou longamente com Senna pelo telefone. Não entendia por que Prost estava fazendo uma tempestade em copo d´água, e sugeriu Senna que pedisse desculpas, para que tudo acabe bem e possamos continuar.
Ayrton não quis saber disso: Na minha opinião não aconteceu nada, e não havia motivo algum para que eu pedisse desculpas. Mas Ron Dennis fez muita pressão, falou nos interesses da equipe, essas coisas todas….
Finalmente, deixou-se persuadir e abriu mão dos princípios que estava invocando. Nos testes na pequena pista de Pembrey, no país de Gales, ele chegou a um acordo, na presença de Dennis, e se desculpou perante Prost. Não era o que eu pensava, não era o que eu realmente achava. Foi muito difícil para mim. Mas o fiz pela equipe, e também porque percebi que Alain estava realmente transtornado. É mais uma vez Senna em choque com suas emoções, enxugando rapidamente uma lágrima: Me doeu pedir desculpas sem ter culpa, como também me doeu ver o Alain naquele estado. A conversa não teve testemunhas, e Ron Dennis concluiu: Então agora está tudo resolvido, e tudo o que foi dito fica entre nós.
Dois dias depois, quando Senna foi para Mônaco, a manchete do L´Équipe explodiu diante dele; Prost: Senna me pediu desculpas chorando e dei o assunto por encerrado – é digno. Prost havia conversado com a sua claque na imprensa francesa, e aproveitara para fazer um pouco de política.
Senna não reagiu oficialmente, mas depois veio a declarar: Depois desse dia eu não quis mais saber dele. Quando, duas semanas depois no México, Prost ainda o procurou para conversar, ele foi ríspido: Não interessa.
A atmosfera ficou envenenada, não havia possibilidade de reversão do quadro. Josej Leberer recordou, mais tarde, que várias vezes tentou juntar os dois em volta de uma mesa, perguntar se eles podiam conversar como adultos sobre os problemas. Mas eu não podia me envolver tanto. Tudo que tentou foram pequenas brincadeiras. Quando os dois se sentavam a mesma mesa para comer, Josef perguntava: Posso fechar a porta? Não vai acontecer nada? Prost respondia logo: É melhor deixar aberta. Isso explica por que Prost, já no Grande Prêmio de Le Castellet, anunciou que sairia da McLaren.
Ainda em setembro em Monza, ele assinara com a Ferrari. Tal como no ano anterior, Senna foi o mais rápido no campeonato mundial, mas uma série de defeitos mecânicos o tirara das corridas, permitindo que Prost conseguisse uma expressiva liderança até Hockenheim. Mas Ayrton não desistia, mesmo quando sob grande pressão. Ele já sabia há algum tempo que o seu paternal amigo e empresário, Armando Botelho, tinha câncer de fígado – incurável. Armando morreu no final de semana de Hockenheim, mas ninguém teve coragem de contar a Ayrton. Foi somente na noite de domingo, após sua quarta vitória da temporada, que o sócio da McLaren, Mansour Ojjeh, o chamou a parte no motor home da TAG. Senna foi para o hotel, escondendo os olhos por trás dos óculos escuros. Ninguém deveria ver suas lágrimas.