Havia um problema: de estatura pequena, cabelo escuro e cacheado e um nariz magnífico, quebrado uma ou duas vezes. Alain Prost começou sua carreira na McLaren em 1980, saiu desiludido um ano depois, voltou em 1984 e se tornou campeão mundial em 1985 e 1986.
John Watson, que havia sido parceiro de Prost em 1980, conheceu Senna por acaso, em uma academia de ginástica austríaca antes da temporada, e estava prestes a receber o choque da sua vida.
Tenha cuidado ao chegar lá. Acomode-se devagar, aconselhou Watson. Prost é como se fosse o dono da equipe da McLaren.
Senna respondeu sem titubear: Estou indo lá para derrotá-lo, imediatamente.
Há um certo mistério a respeito do que aconteceu quando Senna foi para a McLaren, ostensivamente – como já vimos -, o reduto de Prost. Era algo que o próprio Prost explorava (em entrevista á revista britânica Motor Sport, de outubro de 1998): como eu sempre disse, ele não queria me vencer; metaforicamente, me destruir – essa era sua motivação desde o primeiro dia. Até mesmo na corrida da Mercedes em 1984, percebi que ele não estava interessado em derrotar Alan Jones, Keke Rosberg ou qualquer outro – por algum motivo, era eu, apenas eu.
Essas palavras são a chave para entender o que aconteceu na McLaren em 1988 e 1989, que continuou quando Prost foi para a Ferrari. O mistério é o fato de Senna concentrar tanta energia na destruição específica, em vez de se preocupar com outros adversários: Piquet, Mansell, Michele Alboreto, Gerhard Berguer na Ferrari, e assim por diante. A resposta parece clara. Senna acreditava que podia derrotar esses pilotos, mas Prost, armado com o mesmo McLaren-Honda que ele, era uma questão diferente. Para Senna conquistar o campeonato mundial, Prost tinha de ser vencido – Prost tão inteligente; Prost tão preciso ao preparar o carro; Prost tão controlado que, mesmo com a velocidade da corrida, parecia não ter pressa; Prost com seus dois campeonatos mundiais conquistados, dezesseis polo positions e vinte e oito vitórias.
Jo Ramirez, um dos dirigentes da McLaren, lembra-se de que, desde a primeira vez em que Ayrton pilotou o carro, tinha uma obsessão por Alain. Ele queria saber qual era o aerofólio traseiro do carro dele, as molas dianteiras, os pneus. Toda vez que entrava no box, a primeira coisa que perguntava era o tempo que Alain tinha feito. Sempre. Ele não se importava com mais ninguém.
Ramirez guarda histórias tocantes, como a primeira vez em que Senna pilotou o carro. Prost examinou os tracings – relatórios impressos do computador que mostravam exatamente o que os dois haviam feito na pista – e seu rosto traiu uma surpresa ao ver o que Senna tinha feito. Ayrton, observando furtivamente, piscou para Ramirez, que pensou: sim, Senna já está chegando a Prost.
O carro e o motor se tornariam tão dominantes que a McLaren venceria todas as dezesseis corridas de 1988. Aquilo criou uma situação muito competitiva dentro da equipe, pois só Prost ou Senna poderia vencer o campeonato. O piloto mais próximo deles seria Gerhard Berger, da Ferrari, mas de maneira alguma ele poderia representar uma ameaça.
Em resumo, Prost venceu no Brasil, Senna venceu em San Marino, e eles chegaram a Mônaco.
Lá, na sexagésima sexta volta e bem na frente, Senna cometeu um erro um pouco antes do túnel e bateu de leve no alambrado. Essa batida provocou em Ayrton um efeito profundo, tanto naquele dia como nos seguintes.
Naquela época, ele tinha um apartamento em Mônaco, para onde voltou a pé depois da corrida e onde ficou sem ver ninguém no restante do dia. Ramirez conseguiu, finalmente falar com ele por telefone naquela noite, e Senna ainda estava tentando entender…… Perder a corrida o tinha deixado doente. Ele queria demais ter vencido.
Senna considerou Mônaco a virada decisiva de toda a sua carreira. Classificou de erro estúpido e explicou as consequências para Anne Giunti, do LÉQUIPE, o jornal esportivo diário da França. Aquilo influenciou minha posição na equipe e o meu estilo de pilotar, mas não tinha entendido isso antes do erro estúpido de Mônaco. Depois do que aconteceu, procurei compreender como aquilo pôde ter ocorrido. Todos nós cometemos erros, e isso é normal, mas era importante saber como deixei aquilo acontecer. Me deu um branco. Então, achei um jeito de sair da minha situação. Meus familiares me ajudaram. Pouco a pouco, recuperei minha melhor forma, mas bem devagar e com cuidado. Precisei de dois meses inteiros. Visto de fora, não acho que as pessoas perceberam, mas foi uma parte importante do meu desenvolvimento.
Aqui, ele estava novamente usando o intelecto. Virtualmente, todos os pilotos aceitam o fato de que, em algum momento, irão bater. Todos vão querer saber o que provocou isso – erro de pilotagem, falha mecânica – e, uma vez que descoberto seguirão suas vidas. Se for um erro deles mesmos, irão jurar que nunca mais o cometerão de novo. Mas eles não fazem uma grande avaliação de si mesmos.
Esse é um dos motivos pelos quais Senna era diferente dos demais pilotos.
Pino Allievi, do La Gazzetta dello Sport, jornal diário da Itália, lembra-se do homem com duas posturas. No ano em que ele bateu em Mônaco, Senna havia me convidado para tomar o café da manhã na sua casa, na sexta-feira. Fiquei lá, acho que das nove da manhã até as onze e meia, e conheci um homem diferente. Aquele apartamento não era, como você pode imaginar, tipicamente francês. Era um apartamento brasileiro em meio a Monte Carlo. Lembro-me das cores, dos quadros, das paredes, dos móveis, dos tapetes, tudo era brasileiro. A empregada, uma portuguesa muito simpática, da Ilha do Sal, de nome de Isabel. Senna vivia feliz naquela atmosfera e, por isso, conversamos com liberdade, em off.
Tive uma ótima impressão, mas de um homem completamente diferente daquele que conheci no automobilismo. Então, no dia seguinte, na segunda prova classificatória, Senna estava completamente diferente de novo. É por isso que falo em duas posturas, em um homem com dois temperamentos. Uma era aquela que ele tinha quando estava longe das pistas de corrida. Quando estava no autódromo, os outros eram vistos como adversários mais ou menos fortes. Quando ele estava distante das corridas, ele mudava, isto é, relaxava completamente.
A ironia da batida em Mônaco, em 1986, ficou clara nos anos seguintes, pois ele venceu o GP em 1989 (superando Prost em 52 segundos). Não foi fácil como parece ter sido.
A primeira marcha começou escapar, contou Senna. Passei a usar a segunda para as curvas fechadas, o que não era tão mau, mas, depois de algumas voltas, a segunda também quebrou. Então , eu estava com um problemão! Não podia deixar Alain perceber que eu estava com dificuldades para que ele não forçasse. Durante três voltas, trabalhei nisso. O que tinha de fazer era chegar bem perto das barreiras nas curvas lentas, mantendo o motor em alta rotação e derrapando um pouquinho. Não era fácil ultrapassar os retardatários, pois, sem a segunda marcha, eu perdia aceleração.
Para fazer isso, e esconder o problema que enfrentava, é preciso ser genial. (Continuaremos)