Com uma primeira volta histórica e mais um show de pilotagem em pista molhada, Senna venceu a primeira prova da Fórmula 1 em Donington Park.
Os fãs de Ayrton Senna podiam se beliscar: era mesmo verdade. Após as duas primeiras corridas do ano, na África do Sul e no Brasil, a tabela de classificação do Mundial de 1993 mostrava o piloto da McLaren na liderança do campeonato, com 16 pontos, á frente do favoritíssimo Alain Prost, da Williams, com 10. Porém, o próprio Ayrton tratava de acalmar as expectativas da torcida, afirmando que a histórica vitória em Interlagos havia sido resultado de uma rara e feliz conjunção de fatores, em que tudo havia dado certo.
Para o Grande Prêmio da Europa, a terceira etapa do Campeonato, a ser disputada pela primeira vez em Donington Park, na Inglaterra, um novo triunfo como aquele lhe parecia improvável.
De todo modo, era impossível. O favoritismo é todo das Williams, que são superiores em qualquer pista. Mas a pista de Donington Park é uma incógnita para todos os pilotos, e só nos treinos vamos fazer uma avaliação das chances de cada carro. Donington tem duas curvas de baixa velocidade, em que só passa um carro de cada vez, e uma reta, a dos boxes, que é muito importante para as ultrapassagens. Vai ser loteria, garantiu. Um ponto a favor do brasileiro era o fato de já ter corrido diversas vezes no circuito, ainda nos tempos de Fórmula Ford. E outro era a meteorologia, que previa chuva para o domingo do Grande Prêmio.
A chuva nos dá a possibilidade de vencer a corrida, porque anula a vantagem de aceleração dos motores Renault. Se continuar assim, e acredito nisso, porque aqui é a Inglaterra, poderei pelo monos lutar pelos primeiros lugares. Não digo que ganho, porque a pista molhada vai ser muito perigosa, afirmou categoricamente. No tempo seco, Prost e Hill vão fazer uma corrida, e nós, outra.
SEM CHANCE
Nos treinos, sua tese foi comprovada na prática. Na sexta, choveu e Senna terminou a sessão com o melhor tempo, 1m23s976, seguido de perto por Damon Hill e Alain Prost, que marcaram, respectivamente, 1m24s014 e 1m24s467. Mas no sábado, sem chuva, os dois pilotos da Williams atropelaram a concorrência, colocando quase 2 segundos sobre os rivais. Prost ficou com a pole, 1m10s458, e Hill com o segundo tempo, 1m10s762. Na segunda fila, vinham Michael Schumacher, da Benetton, 1m12s008, e Ayrton Senna, 1m12s107. Restava, portanto, torcer para o raio – nesse caso, a chuva – caísse duas vezes no mesmo lugar.
ALÉM DA IMAGINAÇÃO
Sim, ela caiu. Mas o que se viu na pista molhada de Donington Park no domingo, 11 de abril de 1993, foi algo muito maior do que o próprio São Pedro poderia conceber. Jamais a Fórmula 1 havia testemunhado, em seus quase 50 anos de competições, uma primeira como aquela que entraria para os almanaques como a melhor volta da história da categoria e que acabaria dando o tom de mais uma vitória épica de Ayrton Senna.
Sob chuva, o brasileiro não largou bem e foi ultrapassado por Karl Wendlinger, da Sauber, que seguiu no embalo e tomou a posição de Schumacher. O tricampeão caia, portanto para quinto. Foi quando ele resolveu acionar o turbo de uma máquina chamada Ayrton Senna da Silva.
E assim, um a um, os adversários á sua frente forma jantados pela McLaren número 8. O primeiro foi Schumacher, que ainda tentou fechar a porta, quase tirando Senna da pista, mas ficou pra trás. Depois, Ayrton ultrapassou Wendlinger por fora, em uma manobra que em pista seca seria ousada, mas que se tornava quase impraticável – para não dizer impensável – em pista molhada. Depois disso, foi a vez de o brasileiro sair á caça das Williams. A ultrapassagem sobre o estreante Damon Hill veio quase de imediato. Faltava apenas Prost, que já havia aberto uma pequena vantagem. A ultrapassagem, de tirar o fôlego, veio no hairpin, com os carros quase se tocando. Mas Senna prevaleceu e terminou a primeira volta na liderança.
Apenas esse espetáculo de cerca de 1,5 minuto já valeria o ingresso, mas Ayrton ainda tinha uma corrida para ganhar. Com a chuva indo e voltando em Donington, a prova foi um festival de pit stops. Prost e Hill, por exemplo, fizeram sete paradas para trocas de pneus. Senna, por sua vez, fez valer sua magia na chuva, voando no molhado mesmo com pneus slick, e assim, parando no box apenas quatro vez. O resultado foi mais uma vitória inacreditável, em que terminou com uma volta de vantagem sobre todos os pilotos, exceto o segundo colocado, Damon Hill. Prost, o terceiro, deve ter se beliscado: mas, para ele, infelizmente também foi tudo verdade.