Disposto a não correr no Brasil por problemas contratuais, Senna mudou de ideia e deu á torcida um domingo que será lembrado para sempre: A voz do coração.
Acreditem se quiser: foi por uma questão de minutos que Ayrton Senna não anunciou sua desistência de participar do Grande Prêmio do Brasil de 1993. Na briga com a McLaren, o piloto estava chegando a seu limite. Desde o início daquele ano, o brasileiro vinha cobrando de Ron Dennis uma definição clara sobre o carro: antes de assinar qualquer contrato, queria saber quais equipamentos teria á disposição na temporada. Senna gostaria de contar com o motor Ford de última geração que a marca fornecia para a Benetton, com comando pneumático de válvulas. Mas a equipe ítalo-inglesa, que havia bancado parte do desenvolvimento do propulsor, não pretendia dividi-lo com ninguém. Assim, não havia muito o que a McLaren pudesse fazer além de melhorar seu chassis, para minimizar o prejuízo com o motor menos potente. E Senna queria garantia dessas melhorias.
Além disso, havia uma diferença financeira entre o que Ayrton pedia e a proposta de Ron Dennis para um contrato até o final da temporada, e o piloto não estava disposto a fazer outro contrato por corrida, como aquele que o permitiu correr na África do Sul.
Diante desse cenário, nos dias que antecederam a prova em Interlagos, o tricampeão havia tomado a decisão: ficaria de fora. Eu já me preparava para chegar ao autódromo de Interlagos com uma má notícia: a de que não participaria da corrida. Mas recebi um fax com a minuta de uma última proposta. Decidi então aceitar um novo contrato de risco e participar do Grande Prêmio do Brasil, afirmou na quarta-feira antes da prova. O motivo? O coração me dizia que eu tinha de correr no Brasil.
INTUIÇÃO CERTEIRA
Mas o coração tem razões que a própria razão desconhece. E talvez ele soubesse que Senna faria história mais uma vez em sua cidade natal naquele domingo chuvoso. As comparações com a primeira vitória em Interlagos – a dramática conquista de 1991, quando correu as voltas finais apenas com a sexta marcha – foram inevitáveis, diante do tamanho de mais esta façanha. Senna, porém, explicou as diferenças entre as conquistas.
Esta foi uma corrida tremenda, mas muito diferente daquela. Em 1991, tinha carro para vencer. Terminei destruído fisicamente, porque a posição do volante era ruim e me dava cãibras, e porque fui obrigado a segurar o câmbio durante a maior parte da corrida. Agora, foram as condições que me ajudaram: a chuva, a providencial troca dos pneus, a entrada do carro-madrinha, tudo. E o momento decisivo, para mim, foi quando entrei nos boxes para colocar os pneus slick com a pista ainda molhada, revelou, detalhadamente esse segundo pit stop.
Assim que pareceu possível, parei para por de novo os pneus lisos, e o carro se transformou. A suspensão voltou a funcionar, e a frente recuperou aderência. Aí, apertei o mais que podia, para me aproximar de Hill. Quando ele saiu dos boxes, sabia que tinha que passá-lo naquela meia volta, antes que ele se acostumasse aos pneus slick e eles ganhassem a temperatura ideal. Vim no embalo e coloquei o carro por dentro. Ele jogou o carro para dentro, a fim de evitar que eu passasse. Joguei por fora, ele também. Aí enfiei por dentro e fui frear o mais longe possível, já dentro da curva.
NO CÉU
Em meio á comemoração, Senna fez questão de deixar registrado seu protesto em relação á punição imposta pela direção de prova por ter ultrapassado Eric Comas, da Larousse, durante a bandeira amarela – um stop and go de 10 segundos no box. Sabia que não seriam 10 segundos, mas 20 ou 25, se contarmos a entrada e a saída dos boxes. Estava aborrecido, porque era uma decisão injusta. Passei o Comas com a bandeira amarela porque ele reduziu a velocidade e me fez sinal para passar. A parada poderia ter comprometido a minha corrida, afirmou. Mas uma coisa é certa havia alguém, lá em cima, que queria que eu vencesse esta corrida. E quando Ele quer, não tem quem não queira.
NA TERRA
Ayrton comentou também a catártica invasão da alucinada torcida brasileira, que cercou sua McLaren e não lhe deu outra opção senão levantar o pé do acelerador na reta oposta – caso contrário, poderia apertar alguém. Foi o que me obrigou a parar. Como os sistemas da McLaren são integrados, tirando o giro do motor nada mais funciona, o câmbio fica em ponto morto. As pessoas me cercaram, dando tapas no capacete e nos meus ombros, que estavam doloridos. Outros puxavam as minhas mãos. Apanhei como nunca dos fãs, mas entendo que era apenas uma demonstração de carinho. E se acontecesse em todas as corridas, acharia ótimo. Estou pronto para começar tudo de novo.