GP DA ÁFRICA DO SUL 1985; ESPORTE E POLÍTICA

GP da África do Sul 1985, esporte e política

Em repúdio ao apartheid, pilotos ameaçaram boicotar a corrida, mas as autoridades não cederam – e Kyalami foi palco de uma prova melancólica.

O barril de pólvora chamado África do Sul finalmente explodiu em 1985, depois de 37 anos sob o domínio do apartheid. Protestos contra o regime de segredo racial convulsionaram o país e foram contra-atacados com virulência pelo governo da minoria branca. Em julho daquele ano, o presidente Pieter Willen Botha decretou estado de emergência em 36 distritos, concedendo ás forças institucionais poderes draconianos para a repressão dos conflitos – para isso, usou como arremedos de justificativa a ingovernabilidade das comunidades de maioria negra e defesa contra uma suposta ameaça comunista.

Rapidamente o número de presos chegou á casa das centenas e, de mortos, ás dezenas. Diante disso, cresceu na comunidade internacional o repúdio ao regime racista, e muitas nações aumentaram o número de medidas para isolar o governo sul-africano e força-lo a decretar o fim das leis de segregação.

Nesse cenário, o Grande Prêmio da África do Sul, marcado para 19 de outubro de 1985, ficou ameaçado. França, Brasil, Suécia e Finlândia forma alguns dos países que sugeriram a seus pilotos e escuderias que não participassem da corrida, como forma de protesto.

Enquanto Bernie Ecclestone, chefe da organização da Fórmula 1, tentava desesperadamente garantir a realização da prova, alguns pilotos, como Niki Lauda e Ayrton Senna, davam declarações que preferiam não correr em Kyalami. Sou contra qualquer tipo de segregação como imposta pelo regime racista da África do Sul. Nada tenho contra o país, e sim contra a política do momento, afirmou Senna no dia 25 de setembro.

A Federação Internacional de Automobilismo, porém, recusou-se a cancelar o evento. E assim o boicote ficou restrito ás francesas Renault e Ligier, que seguiram a recomendação do Ministro do Esporte. Amarrados por contratos, os pilotos acabaram viajando á África do Sul mesmo a contragosto. Ao chegar no autódromo de Kyalami, Alain Prost resumiu o sentimento de muitos. Não ter vindo teria sido a melhor coisa. Mas nós somos prisioneiros de um sistema. Isso não impede que nos sensibilizemos pelos fatos. E vocês, jornalistas, por que estão aqui? Sem dúvida, pelo respeito a seus leitores, questionou o novo campeão mundial.

POLE INGLESA

Vencedor do Grande Prêmio da Europa, Nigel Mansell viu sua fase continuar na África do Sul. Depois de ficar atrás de seu companheiro de equipe, Keke Rosberg, no treino de sexta, o piloto da Williams garantiu a pole position com uma volta espetacular no sábado, registrando o novo recorde da pista – 1m02s366, média de 236,898 km/h. Nelson Piquet, da Brabham, ficou logo atrás, Rosberg e Senna alinhariam na segunda fila.

FALTOU EMOÇÃO

A África do Sul teve a corrida que mereceu, resumiu, com propriedade, o jornalista Janos Lengyl, enviado especial do Jornal O Globo ao autódromo. De fato, como que oferecendo um consolo aqueles que haviam clamado por seu cancelamento, a prova em Kyalami revelou-se uma das mais melancólicas dos últimos anos de Fórmula 1.

Com menos de um quarto das voltas completadas, nada menos do que dez pilotos – metade do grid já havia abandonado, entre eles Senna, Piquet e Alboreto. Mais tarde, Lauda, Pierluigi Martini e Elio de Angelis também parariam.

Mais uma vez, a vitória foi de Nigel Mansell, que liderou praticamente de ponta a ponta, sem sofrer grandes sustos. Keke Rosberg chegou em segundo, seguido por Alain Prost, Stefan Johansson, Gerhard Berger, Thierry Boutsen e Martin Brundle, os sete únicos pilotos que completaram a prova. Aliás, em um desfecho perfeito para a anticlimática corrida, o diretor de prova esqueceu-se de dar a bandeirada para o vencedor Nigel Mansell. Quando se lembrou do gesto, era Keke Rosberg que cruzava a linha de chegada.

AUSÊNCIA IMPERATIVA

Ao final da temporada, as pressões surtiram efeito, e o Grande Prêmio da África do Sul ficou fora do calendário da Fórmula 1 a partir de 1986. A prova só voltaria em 1992, um ano a aprovação, pelo parlamento, do fim da legislação do apartheid. Curiosamente, a vitória foi de novo de Nigel Mansell, que finalmente recebeu sua bandeira quadriculada.

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