GP DA ITÁLIA 1988; O DEDO CELESTIAL DO COMENDADOR

Ayrton Senna GP da Itália 1988

Colisão com o retardatário francês a duas voltas do fim impediu vitória de Senna e garantiu a improvável dobradinha da Ferrari no pódio.

Sem conseguir fazer frente ao arrasador domínio da McLaren na temporada de 1988, a Ferrari já tinha problemas de sobra quando sofreu, em 14 de agosto, seu maior baque: a morte do legendário Enzo Ferrari, aos 90 anos, por causas naturais. Seu falecimento trouxe, em pouco tempo, ainda mais turbulência á casa de Maranello: Vittorio Ghidella, chefão da Fiat, controladora da equipe, foi á mídia para avisar que o projeto da rossa para 1989 na Fórmula 1 sofreria diversas modificações. Bateu de frente com um descontente John Barnard, diretor técnico da escuderia, que garantiu não saber de nada.

A chapa ainda estava quente quando se aproximou o fim de semana do 59a Grande Prêmio da Itália, a ser disputado em 11 de setembro. Era o primeiro sem o comando presencial ou a distância de Enzo desde 1950, ano em que a Ferrari passou a competir na Fórmula 1. Uma vitória em Monza, além de representar a maior das homenagens para o Commendatore, era vista como uma bandeira branca para frear a crise interna da Scuderia. Diante da supremacia da McLaren nas pistas, porém, parecia que apenas uma intervenção sobrenatural do fundador poderia proporcionar esse tão desejado triunfo.

SEM CHANCE

Já no primeiro dia de treino, Ayrton Senna e Alain Prost, os dois únicos postulantes ao título, repetiram o script do ano todo e passearam no asfalto. O brasileiro deu seis voltas no treino, marcou 1m26s160 na mais rápida e, certo de que apenas seu companheiro de equipe poderia bater o tempo se batesse, deixou o carro titular para ajustes no box e saiu para rodar com o reserva, Prost não conseguiu superá-lo: marcou 1m26s277, ainda assim uma confortável folga quase 1,5 segundo para a Ferrari do terceiro colocado, Michele Alboreto, e de quase 2 segundos para a de Gerhard Berger. O início das atividades não foi promissor para os tifosi.

ATÉ PODE DAR

No treino decisivo de sábado, um fio de esperança aos ferraristas: Alain Prost teve diversos problemas no carro, especialmente no motor, e não conseguiu melhorar o tempo de sexta. Sua marca foi suficiente para mantê-lo na segunda posição do grid, ao lado do pole Ayrton Senna, que cravou 1m25s974; só que agora Berger havia colado em Prost, reduzindo a diferença dos tempos para pouco mais de centésimos de segundo (1m26s654). Logo atrás, vinha Alboreto, que também passou a rodar na casa dos 1m26s, mais 988 centésimos. Será que dava para as rossas beliscarem alguma coisa?

Os apaixonados italianos achavam que sim. Mas só eles: de resto, todos em sã consciência continuavam certos de que a McLaren chegaria ao 12a triunfo em 12 corridas, mantendo-se no caminho para vencer as 16 provas da temporada. E também para bater o recorde histórico de vitórias consecutivas na categoria, pertencente á… Ferrari, que, entre 1952 e 1953, alcançou 14 seguidas.

SÓ UM MILAGRE

Senna fazia sua parte para gravar a nova marca no livro de ouro da Fórmula 1 e, claro, garantir também mais uma das duas vitórias que lhe dariam matematicamente o título do Mundial de 1988.

Na largada, o brasileiro foi ultrapassado por Prost, mas se recuperou e ainda na primeira volta já estava na liderança novamente, seguido pelo francês e por Gerhard Berger. A partir da 15a volta, os perseguidores decidiram forçar o ritmo para tentar o bote em Senna, que acelerou de volta e manteve a ponta. Berger, mais tarde, percebeu que não tinha carro para tanto e tirou o pé. Prost, por sua vez, se manteve na caça e chegou a ficar a apenas 4 segundos de Ayrton. Mas na 35a volta, quando parecia que encostaria no companheiro, os problemas no carro voltaram: Prost diminuiu de rendimento , foi ultrapassado pelas Ferrari e abandonou na sequência.

Mesmo com o austríaco partindo para o tudo ou nada no último quarto da prova, Senna mantinha uma vantagem de cerca de 4 segundos, o que, em condições normais, era mais do que suficiente para lhe dar a vitória. Mas aquele não era um domingo normal.

DEDO CELESTIAL

A duas voltas do final, Senna encontrou pela frente o retardatário francês Jean-Louis Schlesser, veterano de 40 anos que fazia sua estreia na Fórmula 1, substituindo Nigel Mansell na Williams – o Leão estava afastado por uma interminável catapora.

Quando o brasileiro chegava para ultrapassar Schelesser, uma das rodas dianteiras da Williams travou com a freada na entrada da curva. Ayrton então partiu para a ultrapassagem na própria curva, sem imaginar que o francês conseguiria segurar o carro; ao retomar o traçado, Schlesser atingiu a traseira da McLaren do brasileiro. Fim de corrida para Senna, começo da festa alucinada dos tifosi: com Berger em primeiro e Alboreto em segundo, a Ferrari alcançava a improvável dobradinha em Monza – resultado que só pode ser explicado pelo dedo celestial do Comendador.

Dedico essa vitória á memória de Enzo Ferrari, declarou Berger, mezzo emocionado, faz deste dia o mais belo da minha vida. Sou austríaco, mas sinceramente me sinto tão italiano quanto qualquer torcedor.

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