O último Inverno que Foi um Verão

AYRTON SENNA NO KART EM

Sorte, esperança e confiança.

Já era uma brincadeira conhecida: perguntar a Ayrton Senna sobre as suas férias de inverno no Brasil. Ele respondia: Inverno? Você quer dizer pleno verão, não é? É claro: quando é inverno na Europa, no Brasil é verão.

O inverno europeu 93/94 foi aquele em que Ayrton Senna teve menos tempo de descanso, mas foi muito feliz. Com o contrato com a Williams no bolso, e cheio de esperanças na nova temporada, nem mesmo a FIA poderia incomodá-lo por conta do seu ataque a Eddie Irvine. Em meados de dezembro, foi a Paris-Bercy para uma reunião da Go-Kart, um evento beneficente organizado por Philippe Streiff, o ex-piloto de Fórmula 1, hemiplégico desde um acidente durante testes no Brasil, em 1989.

Senna cuidou pessoalmente de resolver algumas diferenças entre patrocinadores para possibilitar sua participação em Bercy. Havia um contrato – ainda válido até o final do ano, e fechado através da McLaren – com a distribuidora de gasolina, o que entrava em atrito com o principal patrocinador de Bercy. Finalmente chegou-se a conclusão de que ele poderia correr um kart branco, neutro.

Nesses dois dias em Paris, ele se mostrou descontraído como há muito tempo não era visto em público. Sempre ao lado de sua namorada Adriane, contava, rindo, que estava pensando em levar o kart para o Brasil, para treinar lá. Mas vai chegar tão tarde que mal terei tempo.

A ambição pela corrida era muito desenvolvida nele, é claro – Ser o melhor de tudo . Até Cristina, filha de Gerhard Berger, já dissera, durante as férias que passaram juntos, que ele ia fundo demais. Mas quando lhe faltava sorte, sempre em segundo lugar, eliminado por uma falha técnica, mesmo nas grandes finais, ele dizia baixinho: Ainda é melhor estar aqui do que ir para a Williams o ano que vem.

1994 deverá ser o ano de Senna, diziam todos os especialistas. O objetivo só poderia ser o tetracampeonato. Senna e a Williams, o melhor piloto e o melhor carro – tudo indicava que sim. O próprio Ayrton Senna acreditava que este seria o seu grande ano, mesmo quando confessava publicamente que o novo regulamento, com a proibição da eletrônica, fará com que as cartas se embaralhem de novo. Na apresentação oficial da equipe em Estoril, declarou: A Williams deverá sair disto fortalecida do que todas as demais, porque tudo será nivelado por baixo. Não me vejo como único favorito.

A determinação de tornar os carros menos avançados tecnicamente era recebida por ele, em círculos privados, com um leve sorriso: Ninguém garante que isso se reflita assim nos resultados…..

Era de se suspeitar que ele estivesse absolutamente cheio de autoconfiança. Parecia ter nas mãos todas as possibilidades de realizar os seus sonhos, mostrando, de uma vez por todas, tudo de que era capaz.

O novo ambiente de trabalho, após seis anos de McLaren, também era um novo desafio e uma nova motivação. Medo das novas expectativas? De jeito nenhum, dizia ele, estou incrivelmente motivado, exatamente por essa mudança. Precisava mudar de ares…. e quando estou motivado, as expectativas das pessoas não deixam de ser uma certa carga de ânimo, mas sei que posso conseguir, que a Williams e a Renault vão fazer a sua parte. A única questão é encontrar o caminho certo para essa colaboração.

Mas deverá dar certo. Como eu disse, a mudança foi um passo muito importante para mim. Toda a equipe é diferente, as pessoas, outro fabricante de motores, outros patrocinadores. Tudo é novo e diferente. E preciso aprender, preciso me adaptar. Acho estou no caminho certo, acho que vou me adaptar a equipe, não vou esperar que eles se adaptem a mim porque sou tricampeão do mundo ou qualquer coisa assim. Eu sou um só, eles são duzentos. Preciso, portanto me adaptar. Preciso entender como trabalham e o que é bom para eles. Talvez aproveite alguma experiência dos meus anos na McLaren, para as coisas que ainda não estejam ótimas, concluiu na sua maneira toda especial de se expressar: Alinhar as coisas, repetir reforçar, sempre com as mesmas palavras. Era o estilo dele – sempre falava assim, em português, inglês ou italiano.

A facilidade com que agarrou a Williams é surpreendente, apesar desse estilo positivo.. Foi no primeiro grande teste com o novo carro, no final de fevereiro, que ficou claro que a Williams optara por uma equipe Senna. Damon Hill, emboca inglês e com o tempo de casa, passou a desempenhar um papel menor. Era a precisão das suas afirmações que agradava aos técnicos, como também sua motivação, sua visível satisfação em voltar ao trabalho. Também tinha uma maneira toda especial de dar ao mecânico mais humilde uma sensação de reconhecimento e de importância. Senna dominava essa arte, sem nunca parecer artificial ou calculista. Era algo natural, e isso era sentido pelos demais. Em abril, após a corrida em Aida, compareceu a reunião que a Williams promovia todas as terças-feiras na oficina, depois de um Grande Prêmio, o que deixou a equipe muito satisfeita: Alain Prost e Nigel Mansell nunca fizeram isso, comentaram.

Em janeiro, em Portugal, Senna ainda estava tateando, mas tinha certeza de que faria grandes amigos na Williams, como fora o caso de Jo Ramirez, o chefe da equipe McLaren. Sempre encontrei gente assim, na Toleman, na Lotus, na McLaren. Por que não na Williams?

Por segurança, levou consigo uma das pessoas em quem mais confiava: o preparador físico Josef Leberer, um austríaco que desde 1988 cuidava dele na McLaren. Mas Leberer era contratado da McLaren.

Desde outubro de 93 que ele pensava na decisão. Ir com Senna, que já lhe pedira isso várias vezes, ou ficar na McLaren, onde também se senti muito bem, era reconhecido e onde provavelmente se manteria? Era uma decisão, de certa forma, entre a mente e o coração, entre a consciência e o sentimento, nas suas palavras. Foi só em janeiro, após receber vários telefonemas de Senna em sua casa, em Salzburgo, que ele optou pela relação pessoal e concordou. Mantinha-se na posição de responsável oficial pela equipe, ou seja, não somente por Senna, mas também por Damon Hill.

Foi para Estoril com um mau pressentimento: Na McLaren, não cheguei a falar pessoalmente com Ron Dennis para lhe dizer que estava indo.

Ir na McLaren para a Williams também é trocar de marca de cigarros como patrocinadora. Quando Senna viu Josef em Estoril, sentado diante da Williams com um cigarro aceso na mão. foi logo perguntando: Já mudou de marca?

O clima foi ficando melhor durante o inverno, durante todos os testes, todas as entradas. A nova motivação fez com que Ayrton Senna se mostrasse mais jovem do que em 1992 e 1993. Embora só tenha trinta e três anos, já estou com dez de Fórmula 1, e isso muitas vezes fica cansativo, não do ponto de vista físico, e sim do mental. A pressão é constante, para obter resultados sempre ótimos. A expectativa é o ter que ganhar. Isso cansa. Acredito que já estou num ponto em que preciso mudar tudo que for possível para voltar a me motivar, e com isso chegar ao sucesso.

Acredito que, daqui por diante, a chave do sucesso para mim vai ser me motivar corretamente. Porque sei que tenho experiência, o conhecimento técnico e o talento para chegar o sucesso. O que é decisivo, para chegar aos objetivos que ele mesmo havia colocado. Isso não significa necessariamente que quisesse bater o recorde de FANGIO, de cinco campeonatos mundiais , ou de Prost, de 51 vitórias em Grandes Prêmios. Os números vêm depois, dizia ele: Honestamente, a maioria das vitórias em Grandes Prêmios não estão tão longe de mim, acho. Mas o título mundial já é mais difícil. Um título mundial é uma coisa maior, que se estende por mais tempo. Já ganhei três títulos e sei como é difícil. Mais uns dois ou três é muito trabalho, coisa difícil de planejar. Meu objetivo principal por essa razão, é bem outro. O objetivo é, enquanto eu fizer, fazer tudo o melhor possível. Com isso as vitórias, talvez o campeonato mundial, vêm por si mesmas. Tudo passa a se encaixar automaticamente. A prioridade, portanto, era manter a motivação, a saúde, e a clareza na cabeça, para poder utilizar o meu potencial. Sei que posso ganhar corridas, ganhar o campeonato mundial. Sei pela experiência de já ter feito isso. Tenho muita experiência a meu favor. Isso ajuda. Por outro lado, dizia ele numa das raras ocasiões, neste inverno, em que se permitiu pensamentos negativos, minha experiência também me diz que não posso abusar da segurança. Preciso me conscientizar de que tenho de dar tudo e aproveitar tudo para ser realmente bom, para realmente atingir alguma coisa. Não posso confiar somente em tudo que já consegui, e achar que tudo vai funcionar sem problemas. De repente, a coisa vai mal mesmo e…. basta um momento, alguma coisa não sair muito bem, para chegar ao fim………

 

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