Senna seguiu á risca o roteiro, conseguiu dispensar a parada para troca de pneus e venceu pela segunda vez em Detroit.
Com inegável talento para o show business, os norte-americanos prepararam uma grande festa para o fim de semana do Grande Prêmio dos Estados Unidos de 1987. Nas redondezas do centro cívico de Detroit, onde o circuito de rua montado, armou-se também uma completa estrutura para abrigar os inúmeros eventos paralelos, como shows e exposições de carros, sempre com o suporte, claro, de barracas de alimentação e quiosques que comercializam todos os objetos possíveis e imagináveis ligados ao automobilismo. O ponto alto dessa programação seriam os espetáculos ao ar livre no Hart Plaza, gratuitos, após o fim das atividades na pista: Chuck Berry e The Marvelettes; no sábado, Joe Walsh, guitarrista da banda Eagles; e no domingo, 21 de junho, encerrando as atividades, ninguém menos que o gênio do soul, Ray Charles.
As altas temperaturas em Detroit fizeram a alegria dos vendedores de cerveja, mas complicaram demais a vida dos pilotos. Após o primeiro dia de treinos, Ayrton Senna, suando em bicas, deu a letra. Está insuportável guiar neste calor infernal. Vai ter muita gente que não vai aguentar e acabará no muro.
Quem conseguir se manter na média e souber poupar as forças vai levar vantagem. E é isso que pretendo fazer, afirmou.
A primeira posição no grid de largada ficou de novo com Nigel Mansell, da Williams, que cravou 1m39s264 e garantiu sua quarta pole em cinco corridas da temporada. Ao lado dele, repetindo a primeira fila do Grande Prêmio de Mônaco, estava a Lotus de Ayrton Senna. Apesar de os dois rivais já terem publicamente aparado as arestas, a expectativa por um duelo acirrado era inevitável. Mansell, em tom de brincadeira, tratou de esfriar os ânimos dos torcedores que esperavam faíscas. Eu e Senna já aprendemos a lição. Vocês não se lembram da largada em Mônaco? Eu arranco na frente, ele espera e passa, civilizadamente, em segundo lugar.
A VIRTUDE DA PACIÊNCIA
Foi exatamente isso que acontece quando a luz verde acendeu em Detroit. Mas o bidu inglês só não percebeu que se tratava de uma estratégia de Senna, que já conhecia Mansell o bastante para saber que, muito provavelmente, o piloto da Williams iria com muita sede ao pote – e se complicaria sozinho. De fato, o adversário imprimiu um ritmo alucinante no início da corrida, abrindo larga vantagem para Ayrton, que, prudentemente, não fez esforço para tentar alcançá-lo. Os pneus de Mansell se desgastaram rápido e foi preciso parar na 33a volta, em um pit stop que, para piorar foi longo: um dos mecânicos demorou a parafusar uma das rodas de volta, fazendo o inglês ficar intermináveis 18 segundos no box.
Enquanto isso, Senna dava o bote planejado. Com o carro no ponto certo, aumentou o ritmo de sua Lotus e disparou na frente; Mansell, mesmo de pneus novos, não acompanhava o líder. Colhendo os frutos da economia de esforços da corrida, o brasileiro então tomou a decisão que selou a vitória: com os pneus em ordem, dispensou a parada para troca. Bingo.
Dessa forma, na segunda metade da prova, Ayrton só precisou administrar a liderança. Ao final, cruzou a linha de chegada com 33 segundos de vantagem para o segundo colocado, Nelson Piquet, da Williams – que, por sua vez, fez excelente corrida de recuperação após ter um pneu furado logo na terceira volta. Foi a segunda dobradinha brasileira do ano, um replay do resultado de Monte Carlo: Senna em primeiro, Piquet em segundo. Dessa vez, Alain Prost, da McLaren, completou o pódio.
SEM ZEBRA
Primeiro colocado também no Grande Prêmio dos Estados Unidos de 1986, Senna se tornou o único a vencer duas vezes nas seis edições até então disputadas em Detroit. De acordo com Ayrton, o resultado foi o triunfo de sua tática – ou melhor, de suas táticas. Da tática de não forçar o carro no início, de desistir da troca na hora certa e de acelera no momento exato, explicou. A vitória do ano passado foi duríssima. Tive de fazer dois pit stops e andar forte para recuperar o tempo perdido. Desta vez, até que não deu para me cansar tanto, até porque o tempo ajudou e, hoje, a temperatura estava bem amena.
De fato, até a chuva deu as caras no final da prova, o que chegou a causar alguma preocupação ao piloto. Era a única coisa que poderia me causar problema, mas como a pista não chegou a encharcar, tratei de diminuir o ritmo – afinal, o Piquet, que vinha em segundo, estava bem longe – e levar o carro na ponta dos dedos, para evitar uma zebra.
LEÃO ESGOTADO
Com problemas no motor, tão exigido no início da corrida, Mansell não passou da quinta colocação, Fisicamente esgotado, não conseguiu nem mesmo dar declarações aos jornalistas após a prova. Quem falou em seu nome, mais tarde, foi seu médico particular, Rafael Grajalles. Ele disse que essa foi a pior corrida de sua vida, afirmou, acrescentando que o piloto relatou ainda problemas de tração e de câmbio nas últimas voltas, em um desgaste nunca antes sentido pelo inglês. Pobre Nigel. Está arrasado.