Senna não foi um dos maiores pilotos da Fórmula 1, foi um exemplo para milhões de brasileiros.
Falar sobre Ayrton Senna é uma tarefa ao mesmo tempo fácil e difícil. Fácil porque é um ídolo – sim, continua a ser mesmo decorridos 29 anos daquela trágica tarde do dia 1* de maio de 1994, quando seu Williams-Renault FW15, por motivos ainda hoje não totalmente esclarecidos, saiu pela tangente na curva Tamborello, atingindo o muro e ferindo-o mortalmente. Difícil porque é impossível ser analítico, quando há tantas emoções ligadas a sua incrível trajetória.
O fato indiscutível é que, dentro do antes e depois com que se costuma definir uma época, um país, uma arte, um esporte, o Brasil, e possivelmente o mundo, possa ser dividido entre antes e depois de Ayrton Senna.
OUTROS BRASILEIROS
Antes do jovem paulista, as corridas de automóveis com esses incríveis monopostos tornaram famosos muitos pilotos, alguns brasileiros, e popularizaram o esporte em todo mundo. No Brasil alguns embaixadores da velocidade no cenário internacional forma Chico Landi, que venceu o Grande Prêmio de Bari, em 1948: e os campeões Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet, além de outros grandes pilotos que andaram por terras estrangeiras mostrando extrema competência. Mas, Senna tinha um quê de diferente, um quê de cativante que a todos atraía, independentemente de serem ou não seguidores da Fórmula 1, em particular, ou do automobilismo, em geral.
O fato é que, depois dele, tudo sobre o mundo do motor passou a chamar a atenção dos brasileiros. Algo havia mudado.
INFLUÊNCIA DA TV
Muitos consideram que a televisão teve um papel fundamental nesse processo de construção da imagem de Ayrton Senna. Como teria tido a mesma oportunidade de ter seu desempenho mostrado no mundo inteiro para bilhões de espectadores? Possivelmente teriam sido mais conhecidos e até idolatrados como Senna, mas não é só isso.
Não faz muito tempo, o afamado programa da televisão inglesa Top Gear levou ao ar um especial sobre Ayrton Senna. Seu apresentador, Jeremy Clarkson, disse algo durante o programa que talvez explique um pouco o fenômeno desse incrível piloto. Em linhas gerais, Jeremy disse que durante a produção do programa, reunindo material, vendo imagens, ele notou que Senna, como todo piloto, tinha momentos excepcionais nas pistas. Mas á medida que os trabalhos prosseguiam, e chegaram ao fim, ele constatou que todos o momentos de Senna eram excepcionais. O carro não importava. Podia ser Toleman, Lotus, McLaren, Williams. Com seu dom lapidado, Senna os fazia andar uma fração a mais, justamente a fração que diferencia os perdedores dos vencedores.
Quem o conheceu sabia que esse dom, além da imprescindível qualidade de sentar em um carro e dirigir como ninguém, era associado a uma incrível obstinação: ser o melhor, o número 1. E sem dúvida, Senna conseguiu o seu objetivo.
Na mente dos brasileiros, Senna era um herói, e todo herói traz para si admiração. Durante dez anos, a partir de 1984, de março ao final de novembro, o Brasil – pode-se dizer inteiro – via Senna brilhar nas corridas realizadas, em média, a cada quinze dias. A cada vitória a emissora TV Globo tocava o Tema da vitória, do maestro Eduardo Souto Neto, usado pela primeira vez quando Nelson Piquet venceu o GP do Brasil de 1983, mas passou a ser executada a cada final de corrida, não importando quem vencesse. Só em 1986 a canção foi nacionalizada, executada apenas em vitórias brasileiras. O Tema da Vitória passou a fazer parte do ideário de todos os brasileiros, que só voltaram a escutá-la quando Rubens Barrichello venceu o GP da Alemanha, em julho de 2000 á última vez havia sido em novembro de 1993, quando Senna foi o vencedor do GP da Austrália.
NINGUÉM ESPERAVA
Houve um fato na carreira de Senna que o imortalizou. Em 21 de junho, no sábado que antecedia o GP de Detroit, nos Estados Unidos, em 1986, no dia seguinte, nas ruas de Detroit, o Brasil fora eliminado da Copa do Mundo de Futebol pela França, em decisão por pênaltis. No dia da corrida, a nação ainda sentia o amargo sabor da derrota em seu esporte nacional. A depressão era visível em todos os brasileiros. Depois de receber a bandeirada da vitória, Senna parou seu Lotus-Renault no lado esquerdo do circuito, pegou a bandeira do Brasil de um dos espectadores e segurando-a, com uma das mãos, deu a volta em todo o circuito. Aquela imagem, inesquecível para todo um país, foi vista no mundo inteiro, e o eleito alentador para a moral dos brasileiros foi notável.
Esse foi o legado de Senna, o de vencedor, o de ganhar para nós, de tornar róseo um mundo cinzento de lutas, preocupações e desgostos. Mas haveria outro legado, só conhecido depois da sua morte.
REVELAÇÃO
Em 1994, ao partir para a Europa para o GP de San Marino incumbiu sua irmã Viviane de estudar uma ação que pudesse oferecer oportunidades de desenvolvimento a crianças e jovens brasileiros desfavorecidos socialmente. No mesmo ano do acidente de 1* de maio foi criado o Instituto Ayrton Senna. Esse é certamente um dos maiores legados de Ayrton Senna, um bravo brasileiro.