A ideia de Ayrton Senna era destruir os adversários na primeira volta. A aposta, que se tornou mais arriscada com a chuva, se pagou por completo.
Normalmente, uma obra de arte não precisa ser entendida, e sim sentida. Mas era natural que, após o Grande Prêmio da Europa, os jornalistas fossem colher as explicações de Ayrton Senna sobre a magistral volta inicial da prova. E as palavras do artista são um complemento perfeito para os fãs de automobilismo armazenarem na memória junto ás imagens da McLaren avançando sobre os adversários na pista molhada de Donington.
Fiz como nos tempos em que corria aqui na Fórmula Ford. Naquela época, minha tática era destruir os adversários na primeira volta. Algumas vezes, é preciso arriscar. Nem sempre vale a pena, mas quando vale é preciso ter discernimento, achar o momento ideal. Tudo deu certo, afirmou Senna, ressaltando o impacto daquele início arrasador no restante da prova disputada no circuito inglês. Acho que a primeira volta valeu a corrida. Psicologicamente, foi um tiro nos adversários.
O brasileiro sabia que a aposta era alta. A pista estava muito molhada e super escorregadia, e eu fiz a única coisa que havia a fazer: mandei ver. O risco de sair da pista ou de dar uma pancada durante as ultrapassagens era grande, afirmou ele. Schumacher me apertou, consegui evitar o choque. Acho que ás vezes Schumacher não raciocina muito bem, mas quem teve problemas foi ele. Consegui escapar e o meu negócio era ficar longe de encrenca.
Não que tenha sido muito fácil… Quase morri do coração não sei quantas vezes. Com o Christian Fittipaldi e com outro carro que não me lembro, foi complicado. Cheguei a pensar: vai bater. Faltou um milímetro. Passei por cima da zebra, o carro deu uma balançada, uma batida forte na suspensão. Depois, para ultrapassar, tinha que levar o carro para a parte mais molhada. Com os pneus lisos, era muito difícil, mas não tinha escolha.
Mesmo com a boa vantagem na ponta, a administração da liderança também foi simples. Com pneu slick na pista úmida, se você diminuir o ritmo para andar mais lento, a temperatura e a pressão dos pneus caem e aí fica impossível dirigir. Tinha que manter o ritmo e garantir a temperatura e a pressão ideais, única forma de assegurar a estabilidade a longo prazo. Se andasse demais, ia sair da pista, se andasse de menos, também. Era uma situação delicada e de equilíbrio.
IMPONENTE
Esse ritmo forte que Senna imprimiu durante toda a prova precisou ser desacelerado no final da corrida: o box avisou ao brasileiro pelo rádio que, a continuar daquela forma, sua McLaren corria o risco de acabar sem combustível. Dava para ganhar com uma volta sobre todo mundo, mas com o probleminha resolvi deixar Damon Hill passar, porque sabia que Prost estava em terceiro. Ele chegou na curva perto dos boxes, abri e disse: vai embora. Ainda assim, Senna terminou 1m23s199 á frente do inglês da Williams. Para todo o resto, incluindo Alain Prost, a vantagem foi de, no mínimo, uma volta.
RECLAMÃO
Por falar em Prost, na coletiva pós-corrida, o francês reclamou muito da embreagem e do câmbio, que, de acordo com ele, comprometeram sua performance. Senna não resistiu a comentar tais justificativas. É o Prost, não é? Tem sempre uma desculpa. O carro dele é demais e ele ainda fica chorando. Vamos trocar. Pinte o carro dele de vermelho e branco e dê para mim, brincou.
TRABALHADOR
Depois de mais uma demonstração de habilidade na pista molhada, Senna foi buscar nos tempos de kart a origem dessa perícia – que, mais que um dom, foi um talento adquirido. De acordo com ele, sua primeira corrida na chuva foi tão ruim, com tantas rodadas e saídas de pista, que o motivou a treinar aquela condição específica. Fiquei muito aborrecido e disse para mim mesmo que aquilo não podia se repetir. Tinha que aprender a guiar no molhado. E treinei como um louco. Toda vez que ameaçava chover, lá ia eu para o autódromo. Fiz isso tantas vezes, durante tanto tempo, que acabei aprendendo alguma coisa sobre o comportamento de um carro na pista molhada. Quem havia de discordar?
Aceleraaa com a gente Balaclava F1.
