Na reunião de campeões no GP de número 500, Fangio e Hunt apoiaram Senna, mas Stewart tirou o brasileiro do sério – e levou um troco á altura.
Nas duas semanas de intervalo entre o GP do Japão, que decidiu o título mundial de 1990, e o GP da Austrália, que fecharia a temporada, o mundo do automobilismo discutiu cada minúsculo detalhe da colisão entre Ayrton e Alain Prost em Suzuka. Quem não teve o menor interesse de fazer desse interminável debate foi justamente o vencedor do campeonato, que foi discutir as praias da Malásia em um merecido descanso.
Ao chegar a Adelaide, Senna estava bronzeado e sorridente. Trajava uma camisa polo de sua grife e calçava um par de tênis Reebok novinhos. Tensão com a controvérsia em torno da batida no Japão? Nenhuma. Ayrton contou que não leu jornais nem assistiu á TV durante suas férias asiáticas. O responsável por quase estragar o bom humor do bicampeão foi outra lenda das pistas, o tricampeão Jackie Stewart, a quem Senna concedeu uma das várias entrevistas programadas para sua passagem pela Austrália.
Stewart questionou o brasileiro sobre os enroscos com Prost, parecendo dar razão ai francês. Demonstrando total segurança, Senna rebateu com firmeza, sem levantar a voz: Acho incrível você me perguntar isso, Stewart, porque você é um cara experiente e sabe muito sobre corridas. Um piloto compete com os outros. Se você vê uma brecha e não tenta ultrapassar, é porque você deixou de ser piloto. Um piloto corre para vencer. Simples e direto.
Ao perceber o incômodo de Ayrton, o escocês quis tornar a situação com uma visita ao box da McLaren, mas o brasileiro não quis alongar o papo. Perguntei o que ele tinha achado do nosso acidente de Suzuka em 1989. Queria ouvir a opinião dele olhando para mim, cara a cara.
E ele disse que aquilo tinha sido coisa normal de corrida. Ou seja: para Senna, condená-lo em 1990 e defender a lisura do francês no ano anterior deixava tudo ás claras. O Stewart é Prost roxo, disparou.
CLIQUE PARA A ETERNIDADE
Mesmo após o bate-boca, Senna e Stewart apareceram juntos em uma célebre foto tirada na pista de Adelaide, reunindo campeões de diversas épocas. O encontro – que comemorava a marca de 500 corridas disputadas desde o surgimento da Fórmula 1, havia 40 anos – também contou com James Hunt, Jack Brabham, Nelson Piquet, Denny Hulme e o pentacampeão Juan Manuel Fangio. Alain Prost também foi convidado, mas, para a surpresa de absolutamente ninguém, se negou a posar ao lado dos demais se Ayrton estivesse presente.
Na imagem, reproduzida no dia seguinte por jornais do mundo todo, Senna ergue o braço esquerdo de Fangio, que estava sentado ao seu lado, ambos muito alegres.
O carinho e amizade entre o brasileiro e o argentino eram notórios, assim como a admiração mútua pelas façanhas nas pistas. Ao contrário de Jackie Stewart, Fangio não fez qualquer crítica á manobra de Senna em Suzuka. O lendário veterano só lamentou ver um ambiente tão tenso nos boxes. No meu tempo, a gente se divertia muito nas festas depois das corridas, todos juntos, contou o argentino, com seu ar bonachão.
QUE VAI JOGAR GOLFE
Além de Fangio, outro participante do encontro dos campeões tinha ótima relação com Senna e o defendeu publicamente após o episódio de Suzuka. Para James Hunt, não tinha cabimento a creditar a Ayrton a culpa por algo que acontece em qualquer competição de esporte a motor. E de rivalidade i inglês sabia muito: suas famosas disputas com Niki Lauda também tinham sido marcadas por manobras arriscadas e polêmicas – nada que causasse reações tão desmedidas quanto as de Prost.
Outro piloto britânico, esse contemporâneo de Senna e Prost, tratou de pôr os pingos nos is após o GP da Austrália.
Não vejo motivo para tanta polêmica. Para mim, não há a menor dúvida: Senna é o número um e o Prost, o número dois, resumiu Derek Warwick, que encerrava sua décima temporada na categoria. Qualquer piloto faria exatamente o que o Senna fez. Se Prost acha que foi prejudicado, que abandone as pistas e vá jogar golfe. Porque choramingando desse jeito, ele não ajuda em nada na Fórmula 1.
Prost, de fato, até ameaçou se despedir da categoria, afirmando que, caso não houvesse punição ao piloto brasileiro, não teria mais o que fazer no automobilismo. Mas era só ameaça vazia. Ao retornar ao Brasil, Senna estava exausto do falatório sobre Suzuka. Era hora de encerrar o assunto e voltar a pensar no que realmente importava. Para mim, só existe um prazer na Fórmula 1: guiar. No dia em que perder esse prazer, será muito difícil que alguém me veja na pista.