AYRTON SENNA E ALAIN PROST A RUPTURA; INIMIZADE ÁS CLARAS

Ayrton Senna vence o GP de Mônaco 1989

Prost quebrou o silêncio e afirmou que Senna não era honesto; brasileiro classificou as declarações como infelizes e optou por não estender o assunto.

Até a chegada do fim de semana do Grande Prêmio de Mônaco, Alain Prost ainda não havia se pronunciado aos jornalistas sobre a ultrapassagem de Senna em Imola. Mas é claro que todos já tinham uma ideia de sua opinião sobre o tema – não apenas pela infalível central de informações vinda dos boxes como também por um artigo que havia escrito em sua coluna na revista Auto Journal, cujo título afirmava que Senna não cumpriu sua palavra.

Ayrton e eu tínhamos um acordo de cavalheiros, uma espécie de pacto de não agressão. Ora, o que aconteceu? Desde a primeira curva, ele me atacou e tive de deixá-lo passar. Vocês me conhecem, nada me deixa com tanta raiva como isso. Deixei Imola absolutamente furioso. Talvez com o tempo eu consiga esquecer.

Até Mônaco, pelo menos, ele não havia conseguido. E resolveu se manifestar sobre o assunto público justamente na ausência de Ayrton, na sexta-feira, dia 5 de maio, dia livre de atividades do Grande Prêmio. O francês elencou diversas declarações fortes contra o companheiro de equipe.

Não quero colocar a McLaren em dificuldade por causa do comportamento do Ayrton Senna. Sempre fui um bom companheiro dos outros pilotos, mas não serei com ele. O que aprecio é a honestidade. Ele não é honesto, disparou Prost. Foi preciso Ron Dennis exercesse uma terrível pressão sobre ele para que dissesse a verdade. Teimou em negar o acordo que ele mesmo tinha proposto na presença de John Hogan, da Marlboro: não atacar na primeira curva. E depois de teimar, teimar, acabou cedendo.

Dali pra frente, o francês prometeu manter uma relação estritamente profissional com o brasileiro. Em relação ás discussões técnicas, não fecharei completamente a porta. Mas quanto ao resto, não quero mais ter qualquer assunto com Senna. Sempre procurei valorizar os contatos humanos. Assim foi com o Niki Lauda e Keke Rosberg. E sempre fui um companheiro do Stefan Johansson. Mas não serei de Senna. Agora sei o que ele é.

DEIXA FALAR

Para decepção dos jornalistas, Ayrton Senna, que já havia dado sua versão dos fatos na coletiva do dia anterior, o que houve desta vez foi uma má interpretação, da minha parte e da parte dele, sobre o que foi tratado, preferiu não voltar ao assunto no sábado.

Poderia falar muito sobre isso, mas não mudaria nada para mim. Sei que, para os que lêem os jornais, minha resposta deve ter importância, mas não quero alimentar polêmicas na equipe, afirmou, classificando as declarações de Prost como infelizes. Prefiro não dizer nada. O que me interessa é que as relações com Ron Dennis e todo o resto da equipe eram boas antes do incidente e estão ainda melhores agora. Perguntado se voltaria a fazer acordos com o companheiro, respondeu com um categórico certamente não. Fórmula 1 é disputa. Não tem sentido ficar atrás de um carro quando aparece a oportunidade de fazer a ultrapassagem.

ANÁLISE

Chamou a atenção de muitos torcedores o fato de Prost, sempre tão discreto e ponderado, ter partido para o ataque nos microfones. Para aqueles que não entenderam essa mudança de postura, o jornalista Celso Itiberê, titular da coluna Pit Stop de O Globo, escreveu um texto esclarecedor, no dia 6 de maio de 1989, do qual reproduzimos um trecho a seguir.

Prost sabe que Senna é mais rápido, sente que com a sucessão de poles e de vitórias do brasileiro, seu prestígio na equipe já não é o mesmo, apesar dos títulos mundiais.

Nas últimas corridas, tentou até trocar seu estilo cauteloso pela direção agressiva, mas o resultado acabou por assustá-lo: cometeu muitos erros e culminou com uma rodada que poderia tê-lo levado a um forte choque contra o guard rail. Abandonou então a briga nas pistas e sua conhecida preferência pelo silêncio.

Pelos jornais franceses que evidentemente o acolheram com satisfação, iniciou um ataque retórico a Senna, que envolve temas como ética, honestidade, fidelidade – sempre com o objetivo de criar um clima que enerve o brasileiro, que o tire do sério e comprometa, de uma forma ou de outra, seu invejável talento para guiar.

Ora, o brasileiro tem o respeito e o carinho dos mecânicos e é endeusado pelos engenheiros japoneses da Honda, responsáveis pelo motor. Mais do que isso, Senna terá a seu lado a imensa legião dos fãs do automobilismo. Vencer, dar espetáculo e respeitar as leis da corrida – isto é o que vale para aqueles que amam as corridas. E é isto que Senna sabe fazer. O que Prost está fazendo é coisa para advogados, gente que nas pistas raramente dá certo.

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