Para segurar Senna, a McLaren correu para alcançar a Ferrari em 1991. E o bicampeão estava pronto para buscar mais um título mundial.
A conquista do bicampeonato mundial em 1990 colocou Ayrton Senna em uma encruzilhada. Conforme ele mesmo explicou ao se despedir do Brasil para iniciar a temporada 1991, havia apenas duas alternativas disponíveis a partir daquele momento: vencer ou parar: Consolidado entre os gigantes da Fórmula 1, o brasileiro não poderia se conformar em ser apenas mais um no grid. E como ele não tinha a menor pressa para se aposentar, só restava uma opção: seguir na frente, olhando a concorrência pelo retrovisor.
Quero continuar a ganhar corridas, quantas puder, resumia Ayrton antes da estreia no Mundial de 1991. E essa fome de vitórias colocava a McLaren contra a parede: sem um equipamento á altura do bicampeão, o casamento bem-sucedido com o brasileiro ficaria abalado. Senna, como de costume, não mediu palavras quando tratou do assunto. Se a McLaren continuar vencendo, permaneço na equipe. Caso contrário, seguirei meu rumo, afirmou, em 18 de fevereiro de 1991, ao encerrar suas férias e partir rumo á Europa para os primeiros treinos da pré-temporada.
Em Estoril, local escolhido para os testes iniciais, a McLaren aguardava seu piloto número 1 com novidades promissoras. O carro para 1991, equipado com motor Honda V12 novinho em folha, tinha mudanças significativas na aerodinâmica e no chassi, uma resposta á clara desvantagem técnica da equipe inglesa a Ferrari na parte final da temporada anterior. O bicampeão se animou. Fiquei admirado com o novo carro. Quem estava acostumado com a McLaren dos dois últimos anos ficará chocado.
MCFERRARI?
Quando o misterioso bólido enfim foi revelado, a surpresa foi que a nova McLaren parecia muito… a antiga Ferrari. Entre os jornalistas especializados, até correu a piada de que a maior diferença em relação ao modelo pilotado por Alain Prost na escuderia de Maranello era a pintura do carro. Um exagero, claro: apesar das semelhanças no desenho, a McLaren realmente trabalhava em inovações interessantes sob a carenagem. Mas até Senna fez piada com o assunto, citando os frequentes rumores sobre a sua paquera com a equipe do cavallino rampante: A McLaren não queria que eu fosse para a Ferrari, então eles desenharam uma Ferrari para mim.
O sucesso da união entre Senna e McLaren não era difícil de explicar. Enquanto o brasileiro deixava claro que esperava guiar um carro capaz de levá-lo ao tricampeonato mundial, a equipe de Woking também mandava um recado a seus pilotos. A McLaren está na Fórmula 1 para vencer. Só para vencer. Faremos de tudo para seguir vencendo, avisou Ron Dennis em entrevista á revista italiana Autosprint na pré-temporada.
Ao falar sobre Senna, o chefão da equipe foi elogioso, observando não haver mais dúvida sobre seu status como o melhor piloto do mundo. Mas Dennis tocou num ponto delicado ao afirmar que Ayrton precisava melhorar seu controle emocional – em outras palavras, talvez ser um pouco mais inglês e não tão brasileiro. Para muitos, ele parece ser um homem frio, calculista, superseguro de si, mas eu vejo de forma totalmente diferente.
PEREGRINAÇÃO ESCOCESA
A personalidade de Senna não mudaria, mas ao menos em um aspecto o brasileiro chegou bem diferente para a nova temporada. Pela primeira vez desde 1988, Ayrton tinha conseguido tirar férias de verdade, passando mais de dois meses descansando, a maior parte desse tempo em Angra dos Reis. Sol, passeios de jet ski e exercícios na areia fizeram muito bem ao campeão – que garantia estar na melhor forma de toda a carreira, tanto no físico como na parte anímica, tão desgastada pelos embates de 1990.
Fiz uma reciclagem psicológica e física, afirmou Senna no Aeroporto de Congonhas, de onde partiu rumo a Portugal para começar os trabalhos com a McLaren. Mas o melhor mesmo foi ter tantos dias para passar ao lado dos amigos e no mar. Energizado pela estadia no Brasil, Senna passou a correr até 22 km por dia, quase triplicando a extensão percorrida em seu treinos. Sinto-me muito bem, ainda um garoto, com o fogo da juventude e a experiência dos 30 anos. Estou muito mais motivado do que nunca.
Antes de desembarcar no Estoril para iniciar os trabalhos para 1991, Senna fez uma escala em Edimburgo onde, a convite dos alunos, visitou a escola secundária Loretto, em Musselburgh, que teve o piloto Jim Clark entre seus pupilos. Vestido com calça de veludo, jaqueta de couro marrom e suéter de gola rolê, Senna justificou a peregrinação ao local dizendo aos estudantes que Clark, vitimado por um acidente fatal em Hockenheim, em 1968, era o melhor entre os melhores e um ídolo de infância. Revigorado pelas férias brasileiras e pela inspiração no tricampeão Clark, Ayrton estava pronto para as próximas vitórias.