Sonho antigo de Peter Warr, Senna desembarcou valorizado na escuderia de Nortfolk, onde enfim receberia um carro para andar no pelotão de frente.
Ayrton Senna já estava no radar de Peter Warr desde os tempos de Fórmula Ford 2000, em 1982. Mas foi apenas no ano seguinte que o novo chefão da Lotus fez sua primeira investida sobre o brasileiro: na surdina, chamou o piloto para uma reunião em Ketteringham Hall e ofereceu a ele 50 mil dólares para correr pela escuderia na temporada de 1984. Senna disse sim – e Peter Warr, exultante, levou a notícia a patrocinadora da equipe. Mas os representantes da Imperial Tabacco, controladora da John Player Special, trataram de apagar o fogo de Warr: para a empresa, era mais negócio manter Nigel Mansell, que garantia maior visibilidade no mercado inglês.
Um ano depois, porém, os executivos pagariam caro, literalmente, pela decisão de deixar Senna passar. As façanhas do piloto na pequena Toleman não apenas escancararam a todos o que Warr já sabia há muito tempo como também valorizaram o passe de Senna no mercado.
Além disso, o piloto passou a contar com um advogado duro na queda, o inglês Tony Clare, além do empresário e amigo Armando Botelho. E assim, para assegurar os serviços de Senna em 1985, os ingleses precisaram desembolsar uma soma que superou em mais de dez vezes o valor oferecido no ano anterior: além de 500 mil dólares para Ayrton, 85 mil para quitar a rescisão da Toleman. Warr, porém, sabia que o novo reforço valia cada centavo. Ayrton era diferente de todos os outros pilotos, porque ele pensava em tudo, analisava cada detalhe, era muito estudioso e parecia fazer em um carro de corrida apenas as coisas que tinha pensado e decidido, declarou a Johnny Tippler, no livro Ayrton Senna: The Team Lotus Years. O mais fantástico é que todo esse processo geralmente terminava com Ayrton dizendo que poderia fazer algo que nós achávamos que era completamente inacreditável e impossível de se obter, e então ele simplesmente ia lá e fazia.
BUONA GENTE
Senna teria companheiro de equipe o piloto Elio de Angelis, que corria pela Lotus desde 1981. O italiano havia sido a última contratação feita pessoalmente por Colin Chapman, e sua inesperada vitória no Grande Prêmio da Áustria, no dia 15 de agosto de 1982, havia entrado para a história da escuderia por dois motivos distintos. O primeiro, por colocar fim a um jejum de quatro anos sem triunfos da Lotus: o último havia sido em agosto de 1978, ainda com Mario Andretti, na Holanda. E o segundo, em uma efeméride posterior, por ter sido a última vitória com Chapman como chefe da equipe; o fundador da Lotus morreria em dezembro de 1982.
Após uma péssima temporada em 1983, De Angelis soube extrair, no ano seguinte, o máximo do promissor 95T projetado por Gérard Ducarouge: com quatro pódios e 11 corridas na zona de pontuação, terminou na terceira posição do mundial de pilotos, atrás de Niki Lauda e Alain Prost, ambos da dominante McLaren. Apesar da experiência e das credenciais, o italiano não ganhou status de primeiro piloto na Lotus em 1985, em que pese ter ficado com o carro número 11, contra o 12 de Senna: a escuderia forneceria o mesmo equipamento e o mesmo tratamento a seus dois representantes – status que só mudaria caso um deles, no decorrer da temporada, tivesse um desempenho que justificasse o jogo de equipe.
De qualquer forma, De Angelis, considerado um gentleman por todos no circo da Fórmula 1, não era mesmo o maior obstáculo de Senna em seus primeiros dias de Lotus.
A grande preocupação do brasileiro era a paralisia facial que o acometera ainda no final de 1984 e que o impedia de testar seu novo carro. Causada por uma inflamação do mastoide – osso do rosto -, a paralisia afetou o lado direito da face de Ayrton e levou longos três meses para ser totalmente curada. Foi bom sentir o quanto somos insignificantes. Por mais que você programe sua vida, a qualquer momento tudo pode mudar. Eu tinha acabado de assinar contrato com a Lotus, o passo mais importante da minha carreira, e de repente senti minha profissão acabada. Eu mesmo, como pessoa, me senti balançar, declararia um pouco mais tarde, em entrevista Veja de 25 de setembro de 1985.
SINAL VERDE
Passado o susto, Senna foi finalmente liberado para andar com o novo 97T da Lotus nos testes marcados para a primeira quinzena de fevereiro, em Jacarepaguá – pista que também receberia o primeiro Grande Prêmio da temporada, e, abril. Em entrevista a imprensa em seu escritório, Ayrton falou de suas expectativas. A Lotus é muito experiente, unida e altamente qualificada para preparar um carro vencedor. Vou procurar me esforçar ao máximo, desde os primeiros testes no Rio, para iniciar a temporada em igualdade com as outras equipes. No meu íntimo, quero fazer tudo para começar vencendo aqui no Brasil, afirmou, em declaração reproduzida pelo Jornal do Brasil em 5 de fevereiro.
Estava chegando a hora.