Não foi apenas pelo título que a temporada de 1988 ficou marcada para Ayrton Senna; foi naquele ano que ele se encontrou espiritualmente.
Aquela não era uma entrevista pós-corrida qualquer. Era a primeira de Ayrton Senna como campeão Mundial de Fórmula 1, e evidentemente havia muito a falar sobre o sentimento de se alcançar um sonho de infância. Também havia muito a falar da vitória no Grande Prêmio do Japão, uma performance fora de série que o próprio Ayrton Senna definiu como a melhor corrida de sua vida. Mas Senna, ali mesmo no circuito de Suzuka, ofereceu aos jornalistas uma janela sincera não apenas para seus feitos profissionais, mas também para suas reflexões mais íntimas e pessoais.
A CORRIDA
Sobre a prova, Senna admitiu que chegou a pensar, no início, que tudo estava perdido. Foi minha pior saída no ano e logo na corrida mais importante para mim. Então, vi que estava lá atrás. Como é que ia pegar o Prost, que tinha pista livre pela frente, com um carro igual? Como bom paulistano, reconheceu imediatamente e deu boas-vindas á velha e boa garoa que o permitiu chegar nos líderes. Quando começou a chuviscar, foi o meu momento. A pista ficou escorregadia e todos diminuíram a pisada. Fui passando um a um até chegar ao Prost.
A ultrapassagem foi instintiva, quando o francês se enroscou com Andrea de Cesaris e Maurício Gugelmin na chicane antes da reta dos boxes. O Alain ali errou uma marcha e eu senti que daria para passar, explicou. Senna se espremeu em um corredor de pista, e, quando chegou a curva do fim da reta, atrasou a freada até o limite. Ali, eu quase rodei.
No final, claro, valeu a pena. Quanto mais difícil, melhor, mas não achei que tinha de passar por esse sofrimento todo. Só Deus sabia que seria tão duro, mas agora que acabou acho que foi melhor assim. Guiei o que podia e o que não podia. Foi a corrida da minha vida, uma coisa tremenda.
A CONQUISTA
Meu primeiro título é dedicado a todos os que me ajudaram e a todos os que tentaram me derrubar, avisou Senna, que alcançava, de acordo com as próprias palavras, o objetivo de uma vida inteira de corridas.
Quero aproveitar para agradecer á Honda e á McLaren por me darem a oportunidade de ganhar meu primeiro campeonato, especialmente aqui, onde a Honda fez um grande esforço, um trabalho incrível, melhorando muito o carro desde a última corrida, em potência, eficiência de consumo e confiabilidade.
Com isso, o piloto já podia traçar outros planos. Vou curtir mais a vida. Fui muito duro comigo mesmo durante todos esses anos. Eu devo a mim mesmo. Por isso, quero melhorar como profissional, aprender muito mais, como acertar um carro e tirar tudo dele. E, sobretudo, melhorar como pessoa, viver um pouco mais próximo da minha família, que de certa forma sacrifiquei nestes anos que dediquei á profissão, com a minha garota, enfim, todos que ficaram junto de mim, apesar da grande distância, sempre me apoiando. Tenho 28 anos e quero viver mais, curtir mais, afirmou.
A FÉ
Para o piloto, o ano de 1988 ficaria marcado não apenas pelo título, mas pelo crescimento pessoal que experimentou durante a temporada. Mais uma vez, Senna fez questão de mencionar o acidente no Grande Prêmio de Mônaco.
Ali foi o ponto em que o campeonato mudou pra mim. Não tem nada a ver com o carro, com o equipamento, apenas comigo. Perdi a concentração quase no final da corrida e cometi um erro bobo. Aquilo me fez refletir um bocado sobre mim mesmo. O erro que cometi em Mônaco me acordou, psicologicamente. Foi então que dei meu maior passo como profissional e como homem. E isso me levou para mais perto de Deus do que jamais eu tinha estado, mudando minha vida completamente, revelou Senna, que garantiu ter sentido a presença divina na parte final da corrida decisiva no circuito de Suzuka.
Sempre fui religioso, católico, mas a intensidade e a fé mudaram completamente. Não mudei minha vida, o que faço, mas minha força mental foi o que mudou. Agora posso dizer sem receio que foi Deus quem me deu esse campeonato, afirmou o novo número 1 da categoria.
