PRESENTE CONTURBADO, FUTURO INCERTO; TEMPO DE REFLETIR

Ayrton Senna, presente conturbado, futuro incerto. Tempo de refletir

Desgaste com as disputas nos tribunais e com o descaso dos dirigentes pela segurança fizeram Senna colocar em xeque sua continuidade na Fórmula 1.

Quando tudo acabou, a sensação era de alívio. As duas semanas que separaram os Grandes Prêmios do Japão e da Austrália deixaram Ayrton Senna exausto. Ver as disputas ultrapassarem o ambiente da pista e transbordarem para os tribunais foi algo que o piloto, plenamente consciente do real interesse de seus acusadores, considerou jogo sujo demais. Ele entendia que perder corridas fazia parte da natureza do esporte, mas era inaceitável que resultados fossem decididos de forma arbitrária em tribunais.

A decepção era tanta que, em meio ao imbróglio, Senna cogitou a hipótese extrema de abandonar a Fórmula 1, apesar de tudo que o automobilismo sempre representou para ele. Como não poderia deixar de ser, o assunto voltou á tona depois da corrida em Adelaide. Sincero, Senna não escondeu que seu futuro ainda era incerto.

Não estou dizendo que estou parando nem estou dizendo que vou continuar. Tenho certeza de que Ron Dennis e os patrocinadores ne darão a oportunidade de decidir o que for melhor para mim, explicou. Ainda não tomei qualquer decisão e sequer tenho um desejo claro. Vou dar tempo ao tempo. Vou refletir, esquecer por alguns dias isto tudo. Vou fazer o que gosto, ficar com a minha família, curtir os meus brinquedos, brincar com os meus sobrinhos. Só vou tomar a decisão certa no momento certo.

IRRESPONSABILIDADE

Por falar em decisões, Ayrton criticou as autoridades da Fórmula 1 por terem permitido a realização da prova mesmo com o temporal que castigou Adelaide. Eles chamam os pilotos de perigosos, irresponsáveis, mas numa ocasião destas forçam os pilotos a correr sem nenhuma segurança, disparou. O pior lugar era exatamente no retão atrás dos boxes, porque é o melhor lugar para se ultrapassar, mas não havia aderência nenhuma, só muito aquaplanning. No resto da pista, ainda dava para a gente se virar, mas ali era tudo muito precário. E quando começou a chover mais forte, no meio da corrida, ficou impraticável.

Senna detalhou o acidente que o tirou da prova e impediu mais uma vitória que parecia assegurada. Eu vinha atrás do Piquet e vi que havia um outro carro na frente dele. Quando entramos no retão, o Piquet saiu para a direita e eu continuei pelo lado esquerdo. A visibilidade era nenhuma. Passei para a direita e estava indo de quinta para sexta, para ultrapassá-lo. Eu já estava no meio carro na frente dele quando, de repente, senti a pancada na frente, explicou.

Acho que houve um aquaplanning com a Brabham de Brundle, e ele tirou o pé, enquanto eu, atrás, vinha acelerando. A diferença de velocidade era tão grande que não deu para ver a Brabham. Primeiro senti, depois vi. Não bati diretamente na traseira dele, o impacto foi um pouco de lado. Mas o meu lado esquerdo foi todo embora, suspensão, freio, tudo. Voltei para o box para evitar que o carro ficasse em posição perigosa, mas não havia a menor possibilidade de consertarem tudo a tempo de voltar para a corrida.

RISCO DESNECESSÁRIO

Apesar da rivalidade que os cercava, Senna afirmou que, em sua opinião, Alain Prost fez o certo ao não voltar para a segunda largada, já que, com o título garantido, o francês não tinha nada mais a ganhar.

Pra que se arriscar numa corrida nessas condições? Ele tentou a primeira volta, viu que não dava e parou. Tudo bem. Os outros correram porque tinham que correr. O que é que podíamos fazer? A responsabilidade é dos comissários, de permitir ou não a corrida. Eles podem exercer pressão sobre os pilotos e nos obrigar a correr em condições que não são seguras.

Entre as duas largadas, pilotos como Prost, Nigel Mansell, Gerhard Berger e Thierry Boutsen ficaram fora dos carros, tentando forçar um adiamento da corrida. Senna, por sua vez, permaneceu dentro da McLaren, e, por isso, foi criticado por alguns de seus pares por suposta dissidência ao movimento dos pilotos.

Após a prova, porém, Ayrton afirmou ter manifestado seu apoio total a Boutsen, que foi a ele no grid explicar a situação. Eu estava disposto a fazer o que eles decidissem.

E assim, sob o tom da discórdia e do desentendimento, terminava a temporada de 1989.

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