Mesmo com o abandono, as chances de Senna conquistar o título seguiam enormes – o piloto lamentou mais o fim da série de vitórias da McLaren.
Antes dos primeiros treinos para o Grande Prêmio da Itália, os jornalistas presentes em Monza ouviram de Alain Prost uma inesperada retificação. O piloto francês, que após a vitória de Ayrton Senna em Spa-Francorchamps havia afirmado que o brasileiro já podia ser considerado o campeão da temporada, agora voltava atrás e garantia que a briga pelo título seguia em aberto.
Na Fórmula 1, tudo pode acontecer. Niki Lauda venceu o campeonato de 1986 por meio ponto. Minha situação é muito difícil. Mas ainda tenho chance. Vou lutar até o fim, porque não é impossível ganhar quatro das cinco corridas que faltam. Quem acha que perdi o entusiasmo só precisa assistir a corrida de domingo.
De qualquer forma, Prost fez questão de dizer que superar Senna seria uma tarefa hercúlea. Ele é um adversário duríssimo, o tipo de rival que é preferível não encontrar no caminho, explicou. O mais difícil não é derrotar o piloto, mas o homem. Eu sempre soube disso. No caso de Ayrton, o que vem tornando praticamente imbatível é sua incrível motivação, seu estado de espírito durante as corridas.
Informado pelos jornalistas sobre as novas declarações do companheiro de equipe, ainda na sexta-feira, Senna garantiu que nada mudava. Não dei importância na Bélgica nem darei aqui. Vou trabalhar e correr como estou fazendo desde o início do campeonato, garantiu. E acrescentou que era da natureza de ambos os pilotos seguirem acreditando na conquista. Ele nunca vai deixar de lutar, porque lá dentro, bem no fundo, ele tem a disposição de tentar o título até o fim. E eu, é claro, faço a mesma coisa.
DEZ VEZES SENNA
Naquele momento, o foco de Senna era a pole position – que, ao ser confirmada no sábado, lhe valeu um recorde histórico. Jamais um piloto na Fórmula 1 havia largado na primeira posição por dez vezes na mesma temporada. Estou muito feliz com o recorde, mas ele não conta para o campeonato.
POR POUCO
Com o abandono de Prost na metade da prova, a vitória em Monza faria Senna abrir uma vantagem de oito triunfos a quatro sobre o francês, deixando o brasileiro com nove dedos e meio! – na taça. De qualquer forma, mesmo com a colisão a duas voltas do final, a situação mantinha-se confortável: com mais uma vitória e um quarto lugar nas cinco provas finais, Ayrton seria o campeão mundial independentemente dos outros resultados. A decepção do líder, na verdade, acontecia por um motivo distinto.
Estou triste por ter perdido uma vitória e a oportunidade de praticamente decidir o campeonato, mas a situação com Alain mudou muito pouco. Minha tristeza maior é que desperdicei a chance de dar um recorde histórico á Honda e á McLaren.
De fato, o desencanto era visível no box da equipe, ainda que os mandachuvas tentassem quebrar o gelo, usando o inconfundível humor britânico. Agora vamos ter de ganhar outras 15 consecutivas para bater o recorde, avisava o diretor Creighton Brown. Já Ron Dennis perguntou a Prost: Você teve de pagar ao Schlesser para ele fazer isso ou foi só amizade?. O francês, que depois da corrida voltou ao modo pessimista – minha chance tornou-se praticamente nula -, entrou na brincadeira do chefe e deu uma resposta marota. Foi solidariedade nacional.
SEM VILÕES
A McLaren fez questão de não colocar o rótulo de culpado em Jean-Louis Schlesser. Mesmo que, na avaliação da equipe, o piloto da Williams pudesse ter facilitado um pouco mais a ultrapassagem do líder, a colisão acabou sendo um acidente de corrida – como o próprio Senna fez questão de dizer, admitindo, inclusive, sua responsabilidade no episódio.
Os erros fazem parte dos homens. Não somos máquinas. Infelizmente cometi um erro e, diferentemente de Mônaco, onde só eu tive prejuízo com o meu erro, lamento muito que o prejuízo seja da minha equipe, ponderou. Vim a reta toda atrás do Schlesser e me pareceu que ele freou um pouco tarde, travando uma roda. Decidi que dava para passar, mas Schlesser, possivelmente por causa da areia, voltou para o meio da pista.
Reconhecer os próprios erros – uma das lições da cartilha de um campeão.