A permanência de Senna na Lotus

Ayrton Senna

Foi exatamente essa característica que o levou a permanecer na Lotus. Bob Dance diz: acho que havia o perigo de o perdermos no final de 1986. Acho que Senna sentia que a Lotus não era boa o bastante para ele, em relação a sua meta. Na época, não éramos tão bons quanto a McLaren, e ele era ambicioso. Na minha opinião, o que o segurou conosco foi a suspensão ativa que tínhamos. Ayrton achou que isso lhe traria vantagem sobre os demais e concentrou muito esforço nisso.

Isso e um motor Honda.

A suspensão ativa era um sistema computadorizado que otimizava o desempenho do carro. As informações vinham de vinte diferentes sistemas de sensores.

Com aquele tipo de carro, diz o projetista Gérard Ducarouge, ficamos um pouco confusos, pois era muito difícil analisar todos os parâmetros, e, para Ayrton, ele tinha de entender o que estava fazendo, o que e por quê, e assim por diante. Era um carro do futuro, mas, para Senna, foi uma coisa muito complicada porque a qualidade de um bom piloto é sempre antecipar o que vai acontecer nas curvas. Com um carro ativo, você não faz isso; o carro faz para você. Os parâmetros mudam a cada centímetro da pista, de acordo com o programa de computador. Tenho de admitir que ele teve muita paciência.

Peter Warr acha que, se tivesse funcionado bem, poderíamos ter tido uma vantagem de pelo menos uma temporada e meia, tempo que as demais equipes levariam para nos alcançar.

Era, de fato, um conceito brilhante, mas avançado demais para os computadores da época. Quando funcionava, porém, a suspensão ativa compensava circuitos irregulares como Mônaco e Detroit, duas provas em que Senna venceu, derrotando Piquet (Williams) em Mônaco por 33,2 segundos, e de novo Piquet em Detroit por 33,8 segundos.

A Lotus agora tinha motores Honda, e, com eles, veio um agradável japonês, Satoru Nakajima. Ele era o sucessor de Cecotto, Johansson, De Angelis e Dumfries. Em comparação direta com Senna, nenhum sobreviveu mais do que uma temporada.

Senna começou o seu relacionamento com a Honda quando os motores chegaram a Lotus. Não acho que havia uma ligação anterior, diz Warr. Meu ponto de vista, um tanto cínico, creio, é que Senna pensou: aqui estou eu neste carro e posso ver que o Sr. Williams tem um motor Honda e, sim, é melhor do que o meu. Logo, quero um desses motores, por isso vou atrás e ver o que posso fazer para conseguir um. É claro que isso chegou a nós, da Lotus, de uma forma um tanto diferente, desse jeito: se vocês não se livrarem da Renault no ano que vem e não conseguirem um Honda, estou fora – e isso nos pressionou.

Eu o apresentei como se ele não tivesse tido nenhum contato com o pessoal da Honda antes do dia em que recebemos o motor. Se, quando estava correndo de kart em Sugo, ele achou abordagem japonesa (interessante), não tenho ideia, mais dificilmente teria sido assim, pois não havia nada no mundo dos karts de qual ele participava que fosse japonês (a não ser a visita a Sugo).

A verdadeira cronologia é que Soichiro Honda ainda estava no comando. Ele era o chefão. Conheci Yoshio Nakamura no dia em que corri no Japão em 1963, e aquela foi a primeira vez que a Honda participou de uma competição automobilística. Nakamura era o engenheiro-chefe e assim permaneceu durante todo aquele período.

Na época em que Warr assinou o contrato com a Lotus, as negociações eram feitas com Nobuhiko Kawamoto (um executivo sênior, chefe de pesquisa e desenvolvimento e, posteriormente, presidente da empresa), e começaram a partir de abril de 1986.

Kawamoto foi a primeira pessoa da Honda que apresentei a Ayrton, continua Warr. Acho que Senna ficou muito impressionado com a maneira com eles trabalhavam. Ele não achava de jeito nenhum que a Renault não fosse séria ou que não fizesse um bom trabalho, mas, quando entrou em contato com o pessoal da Honda, de repente, percebeu que aqueles caras faziam as coisas de um modo diferente. Tinham uma incrível habilidade de disponibilizar recursos, e a maneira como montavam uma equipe para o programa de F-1 era muito impressionante: todos eram engenheiros. Costumávamos pensar neles, por brincadeira, como mecânicos, pois vinham e trabalhavam nos motores, mas eram todos engenheiros qualificados. A Honda achava que seria uma empresa melhor se esses engenheiros voltassem e aplicassem um pouco do que tinham aprendido na F-1 em seu trabalho diário.

Assim nasceu o relacionamento de Senna com a Honda. Ele sabia o quanto era bom quando pilotava o carro com motor Renault, diz Warr, mas, quando percebeu o nível de apoio que estava recebendo do pessoal da Honda – por causa de sua personalidade, de sua habilidade, de seu estilo, de seu talento -, ele pensou: todos esses caras estão fazendo isso por MIM. Acho que ficou muito impressionado com esse fato. Então, é claro, Senna fez diversas visitas ao Japão, algumas promocionais, outras a fábrica para conversar com as pessoas e sugerir formas de melhorar as coisas, ou maneiras de não cometer determinado erro novamente. Ele sabia que a organização era algo a parte (no sentido de ser especial), uma coisa com qual Ayrton queria ser ligado. Senna ficou incrivelmente próximo deles em termos do que ele lhes dizia, como lhes dizia isso, do fato de eles serem muito receptivos, de fazerem o que ele queria. Essa era a base do relacionamento.

E foi um relacionamento que conquistou para Senna uma grande e profunda admiração no Japão.

O Sr. Honda gostava de corridas, e ali estava Senna, o piloto completo, na frente dele, pilotando com um de seus motores. Eles estenderam o tapete vermelho para Ayrton, e acho que ele ficou incrivelmente impressionado com o fato de que aquele cavalheiro, um tanto mirrado, tivesse tanto entusiasmo e interesse pessoal por ele.

Naquele ano, Senna dera a Lotus o melhor de si. Eles, por sua vez, proporcionaram a Ayrton a oportunidade de se tornar – e continuar a ser – um grande piloto. Ele terminou o campeonato em terceiro lugar, com cinquenta e sete pontos, dezesseis atrás do vencedor, Piquet. O que a Lotus não pôde foi tornar Senna o principal piloto. A McLaren, com seus motores Honda, podia. Isso parece cruel e mercenário, mas não é. Todo piloto procura constantemente uma oportunidade melhor. Está na natureza deles e na natureza do próprio esporte.

Ambos existem por causa do movimento constante. Se Senna não tivesse ido para a McLaren, teria violado uma das regras do automobilismo: em águas infestadas de tubarões, sempre cuide primeiro se si mesmo. É isso que todos os tubarões fazem.

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