Conforme a temporada prosseguia, um problema inerente do Lotus se revelou: não havia a certeza de que o carro terminaria a corrida, de forma que Senna não pode transformar em vitórias as pole positions – que ele conquistou em Ímola, depois de Portugal, e em Mônaco, depois de Ímola. Esse foi o microcosmo de toda a temporada. Senna conseguiu sete poles no total, mas apenas mais uma vitória, na Bélgica, e terminou o campeonato em quarto lugar, com trinta e oito pontos, trinta e cinco a menos que o vencedor, Prost.
É fácil analisar essa primeira temporada na Lotus sem examinar algum fatos por trás dos bastidores, mas eles precisavam ser abordados. Angelis estava na Lotus havia seis temporadas e era, merecidamente, popular na equipe. Sua namorada alemã, uma pessoa linda e simpática, alegrava a área com sua hospitalidade e também era popular.
O problema, frequentemente não citado, mas eternamente verdadeiro, é que o seu companheiro de equipe é seu verdadeiro inimigo, pois tem o mesmo equipamento. Se ele pilota melhor que você, você tem problemas, e, ainda, isso provoca todo o tipo de tensão. Uma delas é a proximidade: cada vez que você olha, lá está ele.
Contra os trinta e oito pontos de Senna, Angelis tinha trinta e três. O italiano saiu e foi para a Brabham.
No final da temporada, houve uma sessão oficial de treinos em Brands Hatch e, como a Renault não estava lá, Derek Warwick teve permissão para substituir Angelis que estava doente. Agora que Angelis estava indo para a Brabham, a Lotus ficou muito interessada em contratar Warwick – mas Senna vetou.
Ele tinha decidido, diz Warwick, que a equipe não era capaz de administrar dois pilotos número um; dois pilotos concorrendo diminuiriam suas chances de ser tornar campeão mundial, e nada o impediria de conquistar esse objetivo. Não foi, de maneira alguma pessoal. Recebi um cartão de Natal dele naquele mesmo ano.
O caso Warwick foi controverso na época, pois todos gostavam do jovem piloto desde 1981, ( especialmente a mídia britânica, a mais numerosa e poderosa da F-1. )
Em retrospectiva, porém, e a luz dos resultados da equipe em 1986, não há dúvida de que a avaliação que Senna fez da situação estava correta.
Seu companheiro de equipe seria Johnny Dumfries, que havia corrido contra ele na Fórmula 3 e que tinha decidido trabalhar a sua maneira, em vez de se preocupar com o que Senna estava fazendo. No entanto, Dumfries gostou do fato de, durante a viagem ao circuito de Paul Ricard para os treinos, Senna ter tido a consideração de explicar-lhe o problema com Warwick de uma vez por todas. Imediatamente, Ayrton deixou claro tudo a respeito das coisas sem sentido que tinham saído na imprensa. Gostei daquilo. Gosto das coisas diretas e ditas cara a cara.
O Lotus era uma sucessão direta do modelo 1985: Senna conseguiu conquistar poles com ele, mas venceu apenas duas vezes ( na Espanha e em Detroit ). De fato, essas poles se tornaram algo quase místico, maravilhoso e muito, muito intrigante.
Ele era um cara muito bom para se trabalhar junto, diz Nigel Stepney. Era do tipo que podia parar um momento, e aquele momento era dele, não do carro. Digamos que ele ficasse a meio segundo de conquistar a pole. No minuto seguinte, ficava lá sentado, com p último jogo de pneus para a classificação. Então, saía e conquistava o meio segundo, simples assim. Ele fez isso muitas vezes em 1985 e 1986 nos cinco minutos finais da classificação: sentava lá, esperava, conseguia. Não consigo explicar isso.
Warr se lembra do Grande Prêmio da Espanha, quando Senna conseguiu a pole para a Lotus no início das provas, e ninguém chegou próximo daquele tempo. Faltando quinze minutos para acabar, Senna disse que queria sair de novo. Warr disse: não, não, não seja tolo. Você está 1,7 segundo mais rápido do que os outros. Senna insistiu, e Warr perguntou por quê. Consigo fazer 1:16,9. Warr ficou surpreso.
Pensei sobre isso – posso fazer 16,9.
Warr achou que aquilo era confuso, em vista do que ele tinha feito. Senna entrou no carro com o capacete sobre o peito e os olhos fechados. Estava imaginando a volta que daria. Tinha cerca de cinco minutos.
Senna saiu e fez 1:16,9.
Vale a pena repetir: Senna podia ver mentalmente todo um circuito e observar-se dando uma volta imaginária, metro a metro, curva a curva. Nos treinos, ele era capaz de saber exatamente onde podia ganhar frações de segundo e, simplesmente, incorporá-las na volta imaginária. Aquilo vinha da sua habilidade de pilotar rapidamente, ao mesmo tempo em que pensava vagarosamente, e de se lembrar de tudo o que estava acontecendo no carro. Assim, quando predizia o tempo que faria, estava se baseando em cálculos simples e lógicos.
O pessoal da equipe Lotus testemunhou o feito, 1:16,9, pois Warr, sentido que algo muito especial iria acontecer, instruiu-os a pegar um monitor de TV e assistir. Eles sentiram um aumento de credibilidade – eles tinham feito no carro.
Novamente, Senna terminou o campeonato em quarto lugar, dessa vez com cinquenta e cinco pontos, dezessete a menos que o vencedor, Prost.
Em 1986, Senna aceitou o convite (feito por um jornalista de uma revista sobre automobilismo) para pilotar em um rali, no terreno acidentado e implacável do País de Gales. Correr num rali é completamente diferente de correr nas pistas, e ele cometeu erros no início, mas um experiente piloto de rali ficou surpreso com a rapidez com que Senna se adaptara e a velocidade com que pilotara. A empresa organizadora tinha ouvido falar que Senna era distante e reservado e ficou sem graça quando descobriu que ele era o oposto. Ayrton não aceitou nem mesmo o combustível do jornalista , quanto mais o cachê.
Assim, em sequência direta, a progressão de Senna: karts, Fórmula Ford 1600, Fórmula Ford 2000, uma temporada de Sunbeam, Fórmula 3, o Williams sem turbo, os Tolemans com turbo, o Mercedes na corrida de celebridades, o Porsche Joest, os Lotus turbo e, agora, carros de rali. Não há duvidas de que Ayrton Senna podia pilotar qualquer máquina. E podia vencer qualquer máquina.