De champanhe na mão, o cartola participou da comemoração de Senna no pódio. Mas a cabeça do piloto brasileiro já estava longe em Interlagos.
Parecia até uma alucinação provocada pelo calor do deserto no Arizona: pela porta lateral do pódio montado no circuito de rua de Phoenix, Jean-Marie Balestre aparecia, todo maroto, com uma garrafa de champanhe para banhar divertidamente o vencedor do GP dos Estados Unidos de 1991. Ayrton Senna riu e saiu correndo para a sala de entrevistas. Um jornalista da TV americana perguntou se ele estava suado ou encharcado de espumante. É bem mais champanhe do que suor, respondeu o bicampeão – que encera com folga e pouco se desgastara no cockpit. Levei dois belos banhos do Balestre e do meu chefe de equipe.
Se apenas um ano antes o clima era de guerra aberta entre o cartola francês e o piloto brasileiro, o início da temporada 1991 marcou uma tentativa de amenizar a tensão por parte do dirigente. Antes de molhar Senna, Balestre já tinha cumprimentado efusivamente o brasileiro ao entregar o prêmio ao vencedor da prova. A aparente trégua estava vigente desde a festa de gala da Federação Internacional de Automobilismo Esportivo (Fisa) no fim de 1990, em Paris. Balestre parecia ter se convencido de que não gavia como brigar com a realidade: a Fórmula 1, naquele momento, era de Ayrton Senna.
Por falar em desafetos, a vitória em Phoenix igualava o bicampeão mundial Jackie Stewart, ambos com 27 triunfos na carreira. Stewart – que havia criticado Senna pela batida na curva de Suzuka em 1990 – agora se preparava para ser ele mesmo ultrapassado pelo brasileiro nos rankings. Á frente de Ayrton, naquele momento, só restava Alain Prost, com 44 vitórias. E a diferença entre os rivais ficaria cada vez menor ao longo da temporada.
HAPPY HOUR DE SEXTA
Nos treinos classificatórios no Arizona, não foi a rivalidade com Prost que mais motivou Senna, e sim a estreia de outro francês na Ferrari. Dono de um estilo arrojado e considerado muito promissor pelos tifosi, Jean Alesi, 26 anos, levou a equipe de Maranello ao topo da tabela dos melhores tempos da sexta-feira. O brasileiro, que liderava a sessão com certa folga, foi pego de surpresa pela volta excepcional que tomou sua pole provisória, já no fim do treino. Alesi comemorou a marca com um prato de macarrão á bolonhesa no box da Ferrari. Na McLaren, era o começo de uma extensa jornada de trabalho ao redor de Senna.
Primeiro, ficamos várias horas, pilotos e engenheiros, repassando o que acontecia em cada trecho da pista. Depois, fomos checar nos computadores e descobrimos que nossas conclusões estavam certas, contou Ayrton. A máquina confirmou o que pensávamos e isso nos permitiu quantificar os problemas. Com isso, conseguimos melhorar o carro. Batizada de MP4/6, a nova McLaren só havia ficado pronta na madrugada de sexta. Foram mais oito horas de trabalho intenso com Senna depois do treino, até que o bólido estivesse bem ajustado para garantir a pole brasileira no sábado.
INTERLAGOS UM SONHO
Ao descer do pódio em Phoenix, a cabeça de Ayrton Senna já tinha viajado os quase 10 mil km que separam a cidade americana do quintal do piloto brasileiro, o circuito de Interlagos, palco da segunda corrida da temporada 1991, a ser disputada em duas semanas. Para o bicampeão, seu novo carro era fundamentalmente bom, mas só seria possível tirar uma conclusão sobre as chances reais de faturar o tri na prova no Brasil.
A vitória em São Paulo seria a prioridade daquela temporada. Sem jamais ter vencido em casa, Senna já havia confessado, ainda no fim do campeonato de 1990, que o troféu do GP do Brasil era seu maior desejo. Esperava-se agora a repetição do desempenho observado em Phoenix, com motor V12 da MP4/6 empurrando Ayrton á vitória.
Ainda será preciso trabalhar muito, principalmente no acerto do carro para circuitos mais velozes, como Interlagos, por exemplo, avisava Senna. Só na pista é que poderemos saber se teremos ou não condições de vencer no Brasil. O otimismo, contudo, era indisfarçável. Espero muito da corrida de São Paulo. Quero ver esse carro correndo em um circuito de verdade. Seriam 14 dias com os nervos á flor da pele, até a largada de uma corrida que entraria para a história.