Desobediência de Mansell rendeu punição severa da Fisa; o inglês jurou inocência, mas Senna ainda achou que a pena ficou barata para o rival.
Ainda possesso com o acidente causado pelo já desclassificado Nigel Mansell, Ayrton Senna saiu de Estoril em silêncio. O piloto foi direto para a quinta do amigo Antônio de Almeida Braga, o Braguinha, em Sintra, a cerca de 12 km do autódromo. Ali, por volta de uma hora depois, Ayrton conversou com os jornalistas brasileiros. Nesse meio tempo, havia esfriado a cabeça, o que não o impediu de dar declarações fortes sobre o ocorrido.
Foi um crime o que ele fez. Simplesmente colocou o carro na frente da minha roda traseira e deixou bater. Eu voei e basta ver onde fui parar e como ficou o meu carro para ver quem sofreu mais. Ele não se arriscou nem um pouco afirmou, antes de detalhar a colisão. Aquela é uma curva bank, inclinada, e ele não poderia fazê-la por dentro. Seria preciso parar para conseguir isso. O que ele fez foi entrar e deixar bater.
No momento da disputa, Ayrton não sabia do ocorrido com Mansell nos boxes nem da punição que o rival havia sofrido. Não vi a bandeira preta, pois estava preocupado em olhar a placa dos boxes, logo no início da reta, para saber minha diferença para Berger. Não sabia que ele estava desclassificado. Quando voltei a pé é que me contaram. Ficou mais evidente porque ele fez aquilo. Ele não agiria dessa forma se estivesse dentro da corrida. Mas dá para entender em se tratando de quem é, ironizou.
DUELO DA CHEFIA
Ainda durante a prova, a confusão se estendeu para as chefias de McLaren e Ferrari. Quando percebeu que Mansell não estava obedecendo ás ordens de recolher, Ron Dennis disparou para o box da Ferrari para cobrar providências e acabou discutindo forte com Cesare Fiorio, chefe de equipe da escuderia de Maranello. Mais tarde, quando o italiano relatava aos jornalistas sua versão dos fatos, Ron Dennis interrompeu a conversa com o dedo em riste. Sou uma pessoa muito digna, e da próxima vez que for falar com você, não me faça sinais nem me vire as costas.
PUNIÇÃO EXTRAORDINÁRIA
Por não abandonar a corrida mesmo tendo recebido a bandeira preta em três voltas consecutivas, Nigel Mansell recebeu uma multa de 50 mil dólares e foi banido da etapa seguinte, o Grande Prêmio da Espanha. Era a primeira vez que um piloto recebia da Federação Internacional de Automobilismo Esportivo (Fisa) esse tipo de punição. Em 1978, Riccardo Patrese havia sido impedido de correr o Grande Prêmio dos Estados Unidos, mas por conta de uma iniciativa dos próprios pilotos, que consideraram o italiano culpado no acidente que causou a morte de Ronnie Peterson no Grande Prêmio da Itália.
Mansell só se pronunciou publicamente sobre o assunto em Jerez de La Frontera, nas vésperas do GP da Espanha. E o leão partiu para o ataque. Alguém pode realmente acreditar que eu ignoraria a bandeira preta se a tivesse visto? Faz sentido se manter numa corrida com uma máquina potencialmente mortal em alta velocidade para nada? Vocês sabem a resposta. Não. Eu teria voltado para o box, garantiu o inglês, que jurou também não ter ouvido as instruções da Ferrari pelo rádio. Guiando um V12 Ferrari a 12.500 giros, você tem sorte se ouvir os seus próprios pensamentos. Esqueça ouvir qualquer coisa pelo rádio.
AQUI NÃO
Ao saber das declarações de Mansell, Senna respondeu na lata, desmentindo os principais pontos da argumentação do inglês. Não gosto de falar essas coisas, mas em Imola presenciei um contato de rádio do boxe da Ferrari. Berger passou com o carro soltando fumaça e um engenheiro o chamou imediatamente, através de um radinho de mão. Não foi nem aquele box, com a antena grande. Todo o sistema de rádio na Fórmula 1 é feito em dois canais. Não fosse assim, como o box chamaria o piloto para uma troca de pneus?
O brasileiro não tinha dúvida de que Mansell ficou na prova consciente da punição que havia sofrido. É aceitável que ele não tenha visto a bandeira preta na primeira volta, mas na segunda, sabendo o desastroso pit stop que fizera, dá para desconfiar. Se ele deixou de ver a bandeira, a placa de box é impossível ele não ter visto, pois você olha a cada volta. A Ferrari disse que mostrou a inscrição IN e ele não a respeitou, garantiu, Senna, para quem a punição da Fisa saiu barata para Mansell. O brasileiro defendia a suspensão do inglês por meia temporada. O que aconteceu foi vergonhoso, e mais vergonhoso ainda é tentar ocultar situações ilícitas com mentiras.