John Watson ex-piloto de F1, avalia a carreira de Ayrton Senna

Ayrton Senna Lotus

A carreira do ex-piloto John Watson na F1 durou de 1973 a 1985, garantindo-lhe uma grande experiência, com qual julga de forma correta as perspectivas do automobilismo. Assim ele avalia a carreira de Senna ( Você irá notar que Watson usa palavras como redefinir e estender repetidamente porque, insiste ele, foi isso que Senna fez no contexto da F1. )

Na minha opinião, Ayrton está entre os melhores dos melhores. Pode-se dizer que ele fez coisas que ninguém jamais tinha feito em algumas das provas que testemunhamos, particularmente na classificação, na qual seu desempenho era quase sobrenatural. Nunca vi ninguém na classificação ter o compromisso que ele tinha. Vi isso em primeira-mão na pista de Brands Hatch.

Isso aconteceu durante uma prova de classificação para o Grande Prêmio da Europa, em Brands, em 1985, com Senna num Lotus. Watson, pilotando um McLaren, estava diminuindo para entrar nos boxes, quando Senna passou em alta velocidade.

Naquela época, Watson descreveu-o com essas palavras: vi aquele carro vindo rapidamente na minha direção. Ayrton vinha por dentro. Simplesmente, abri passagem. Vi e ouvi algo que nunca tinha visto ninguém fazer antes da corrida. Era como se ele tivesse quatro mãos e quatro pernas. Ele freava, reduzia, esterçava, acelerava, e o carro parecia estar no limite entre o controle e a falta deste. Estava, é claro, perfeitamente sobre controle.

A explicação de Senna para isso foi expressa com brevidade quase irônica: cada piloto tem próprio limite. O meu está um pouco acima dos outros.

Refletindo hoje, e ampliando a lição daquele dia distante em Brands Hatch, Watson diz: ele era diferente de todos que conheci. Tinha uma perspectiva do que era ser um piloto de corridas e do que aquilo implicava que nunca vi novamente. Não sei a respeito de pessoas como Fangio, que é o seu maior herói daquela geração, de forma que não posso fazer uma comparação, mas Ayrton tinha algo. Se isso tinha a ver com suas crenças religiosas, eu não sei. Sei que ele conseguiu realizar coisas que, de certa forma, eram o mais próximo do domínio da mente sobre a matéria que eu já vi….

Ele tinha uma força mental e uma confiança em si mesmo além do que é considerado como propriedades físicas normais. Aquilo não era um produto do automobilismo: ele colocava essa força em qualquer coisa que decidia fazer, mas o automobilismo foi a via de escape que ele escolheu, e estava em harmonia absoluta com o que queria realizar.

As pessoas fazem a mesma coisa no mundo dos negócios, mas não há perigo físico. O que ele fazia era assumir o perigo físico e aceitar os limites, ampliando-os. Como um elástico, ele esticava os limites para além do comum.

Certa vez, eu lhe perguntei: quando está fazendo as voltas de classificação, você prende a respiração? Ele me deu uma resposta evasiva. Foi um pouco agressivo, como se estivesse dizendo: porque me pergunta isso? Aquilo me fez pensar que talvez eu tivesse pisado no seu calo, abordando um assunto sobre o qual ele não quisesse falar. Você sabia que as pessoas acreditam que podem aumentar a força física ao prender a respiração? Ele parecia ser capaz de aumentar a força física de um jeito que ninguém mais entendia ou conseguia fazer.

Você não prende a respiração para fazer uma volta classificatória, mas, se pergunta a muitos pilotos, descobrirá que há períodos durante uma volta nos quais eles não estão respirando conscientemente, o oposto de prender a respiração conscientemente.

Eu lhe disse isso como um comentário banal, mas creio que era algo que ele era capaz de fazer.

Certa vez, durante uma entrevista ao jornalista canadense Gerry Donaldson, Senna descreveu como, durante a prova classificatória para o Grande Prêmio de Mônaco, foi cada vez mais rápido, como se uma força subconsciente o tivesse impulsionando, a ponto de o que ele estava fazendo ficar, além da minha compreensão consciente. Aquilo o assustou. Ele foi para os boxes e não saiu mais.

A anedota, diz Watson, é entrar na zona sobre qual eu falava. Há um ponto, e é difícil descrevê-lo ou explicá-lo, aonde você vai além das restrições normais de um carro de corridas. Isso é basicamente a aderência que o carro pode gerar: em uma volta, você faz o seu tempo pela velocidade de entrada nas curvas, frenagem e velocidade de saída. Parecia que ele tinha algo que o permitia redefinir esse limite.

As pessoas se restringem por aquilo que consideram ser o limite físico, mas, quando alguém chega e redefine isso ou estende esse limite -, faz você pensar: ah, podemos ir mais rapidamente! Ele fez isso.

Lembro-me especialmente dele se classificando pela Lotus, quando se tinha muita potência – bem mais de 1.200 HPs – e Ayrton adorava aquilo. Uma vez, fui ao Japão para fazer um road test ( para uma revista ) no carro de F1 da Williams – Honda. Gradualmente, durante o período em que estava pilotando, eles me forneceram cada vez mais potência até o carro chegar ao máximo. Conversei com o Ayrton sobre aquilo  e ele disse: ah, mas eles deram a você o ( micro ) chip para alcançar a potência máxima? E com que velocidade você estava correndo? O que ele estava fazendo era procurar formas de maximizar, em termos absolutos, aquilo que tinha capacidade de controlar, quando, como eu estava pilotando por pouco tempo, recebi a potência, mas não todos os recursos que Ayrton teria recebido. Ele aproveitava a oportunidade para ir além do que era considerado o máximo.

Ele não tinha realmente um máximo baseado em sabedoria apreendido ou experiência – seu máximo era baseado naquilo acreditava que podia ser atingido. Isso era uma abordagem única….

Você submete pessoas, como pilotos de caça, oficiais da aeronáutica e astronautas, a testes extenuantes porque a habilidade de lidar com o estresse é uma parte muito importante do treinamento.

Fiz isso e Ayrton fez isso com ( o guru do fitness australiano ) Willy Dungl, e lembro-me de Dungl me dizer que Senna tinha capacidade de absorver os níveis de estresse dos testes muito maior do que qualquer outro que ele testara. Para Ayrton, foi um desafio, um desafio intelectual, e talvez seja essa a origem de tudo. Talvez ele racionalizasse o que fazia na pista de corrida para transformar uma atividade que poderia ser entendida como atividade de macaco – você desparafusa um macaco no cockpit e parafusa outro em seu lugar.

Talvez, propõe Watson, ele estivesse tentando redefinir quais eram os limites e onde estavam.

Ayrton Senna mediu sua vida pelas linhas de chegada. Ás vezes, só ele sabia onde estavam essas linhas de chegada, ou se elas realmente estavam lá: ás vezes, todos sabiam. Quando todos sabiam, tornava-se algo mais profunda simplicidade: ele tinha de chegar primeiro. Sempre.

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